Durante a divulgação do drama UNA (Una), estrelado por Rooney Mara (Carol e Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres), Ben Mendelsohn (Rogue One: Uma História Star Wars e Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge), Riz Ahmed (Rogue One: Uma História Star Wars) e grande elenco, o cineasta Benedict Andrews declarou como foi dirigir o filme baseado na famosa peça “Blackbird”, de David Harrower, que já recebeu mais de 40 montagens, passando por Estocolmo, Cape Town, Mumbai, Praga, Tóquio, Sidney, tendo uma recente reapresentação na Broadway, estrelando Jeff Daniels e Michelle Williams.
“Meu objetivo ao filmar UNA foi examinar resolutamente o centro de uma relação em crise e chegar até a cicatriz. Eu queria estar desconfortavelmente próximo dos personagens, investigar o nó de desejo, abuso, culpa e nostalgia que os une. Quis evocar a intensidade claustrofóbica de um pesadelo, misturada com a intimidade carinhosa de um caso de amor. Quis ir fundo nos personagens, nas lembranças que os assombram, nas contradições que os dividem, nos lugares que machucam.
UNA é um Kammerspiel tenso e angustiante. Desde o início do filme, Una é uma mulher inquieta. Nós a seguimos de uma boate para uma cena de sexo casual e anônimo e depois de volta para seu pequeno quarto na casa de sua mãe ao amanhecer. Revela muito ela ainda viver em seu quarto de criança – ela é incapaz de seguir em frente.
Escondida num canto do quarto está uma fotografia rasgada de uma revista de negócios. O rosto sorridente de um homem na fotografia a deixa obcecada – ele é Ray, um homem que ela não vê há 15 anos, o homem com quem ela fugiu de casa quando tinha 13 anos. Ela não consegue aceitar que Ray está sorrindo na fotografia. Ela fica atormentada porque ele parece ter seguido em frente com sua vida e a esquecido. Ela está desesperada para descobrir se ainda significa alguma coisa para ele, desesperada para desvendar o enigma de seu passado.
A decisão de Una de procurar Ray e confrontá-lo em seu ambiente de trabalho a lança num encontro volátil com seu passado compartilhado. Ela abre uma ferida do passado – suas perguntas não respondidas e seus desejos mal resolvidos. Sua chegada no local de trabalho dele ameaça destruir sua nova identidade e sabotar as vidas dos dois. Seu encontro põe em movimento um drama intenso de mágoa, recriminação e perda. Camadas de segredos, mentiras e amor proibido são descascadas, deixando Una e Ray emocionalmente vulneráveis. Eles têm que revirar os destroços do passado e enfrentar o que ficou mal resolvido.
Eu quero que a plateia sinta uma cumplicidade desconfortável com Ray e Una, que ela seja trazida para seu encontro como uma espécie de testemunha “flutuante”. A plateia partilha dos sentimentos de confinamento e armadilha de Ray e Una. O local de trabalho de Ray torna-se um tipo de purgatório onde ele e Una estão presos. As salas insossas do armazém fazem um contraste total com as emoções turbulentas de seu drama insuportavelmente íntimo. Una e Ray perseguem um ao outro ao longo de corredores parecidos com labirintos, através de cômodos em forma de caixa e pilhas de estoque. A jornada de Una pelo filme é concebida como uma passagem através de um labirinto. Ela quer encarar o enigma de seu desejo e confrontar o Minotauro de seu passado.
UNA fala sobre uma mulher jovem em busca de seu passado. Ela sente como se tivesse perdido sua vida há 15 anos e se tornado uma espécie de fantasma. Por trás da fachada de normalidade, está uma mulher ferida e infantilizada, congelada no tempo. Ela quer destruir o homem que a feriu, mas também quer que ele a ame de novo. Ela está desesperada para provar que o que viveu naquela época foi real.
Sua decisão de confrontar Ray abre a falha entre o passado e o presente. As lembranças de Una e Ray estiveram enterradas por muitos anos. Seu reencontro tenso destrava o passado. Suas memórias altamente carregadas que interrompem e atravessam o presente são pistas – fragmentos de uma história estilhaçada. Una permanece presa até poder redimir seu passado. Ela precisa descobrir por que Ray a abandonou. Ela precisa responder à pergunta que a atormenta: ela era a única? Ela era uma exceção, a única mulher que ele amou? Ou ela foi uma de muitas – apenas uma de suas vítimas?
Ray e Uma compartilham um laço que os separa dos outros, embora nunca consigam prosseguir. É uma forma de amor impossível, niilista. Há 15 anos, sua relação criminosa foi conduzida no maior segredo. Eles desenvolveram um sistema particular de códigos e sinais para se encontrarem e despistar a família, os amigos e os vizinhos de Una. Sua relação existia numa bolha – selada, exclusiva, clandestina. Una acreditou tanto nessa relação proibida que escolheu abandonar sua família, seus amigos e sua casa para fugir com Ray e começar uma vida nova na Europa. A relação secreta com Ray era carregada de promessas. Ela acreditava que amava Ray e que ele a amava. Ela estava disposta a arriscar tudo o que conhecia. Quando a relação foi exposta, ela sofreu uma perda traumática da qual nunca conseguiu se recuperar. Só confrontando Ray e tentando enfrentar o que aconteceu entre eles que ela pode começar a se curar.
Ao adaptar a peça para as telas com David Harrower, fiquei interessado em como a relação única do cinema com o tempo poderia nos permitir representar mecanismos da memória e do trauma. Estava interessado em como o filme poderia descrever uma membrana frágil entre passado e presente. Em UNA, o presente tenso e claustrofóbico é interrompido por lembranças fragmentadas e fugazes. Isso cria uma sensação triste e próxima do sonho – o passado se mistura com o presente como uma melodia esquecida. Inspirei-me em filmes como HIROSHIMA MEU AMOR (Alain Resnais / Marguerite Duras), que evoca a forma como o passado coexiste com o presente.
O filme funciona como uma espécie de reversão do “mito Lolita”. Enquanto LOLITA descreve sua relação tabu puramente do ponto de vista do homem sedutor, UNA é experimentado a partir do ponto de vista da garota e da mulher que ela se torna. Os acontecimentos do verão no qual Una tinha 13 anos ainda exercem uma tremenda força magnética sobre ela. Seu encontro com Ray nos atrai para dentro do nó de sua obsessão sexual.
Nos momentos finais do filme, a Una de 13 anos é vista esperando por Ray num quarto de hotel. Este é o momento em que seu futuro fica em suspenso, a garota naquele quarto fica congelada no tempo. Ela fugiu com Ray, eles fazem sexo pela primeira vez e agora ele parece tê-la abandonado. Nos últimos quadros do filme, sentada na cama do hotel, a jovem Una volta seu olhar para a câmera. Ela olha direto para nós. Seu olhar é desafiador, ainda que ferido. Ela está exigindo que não a esqueçamos, que não a julguemos e não a rotulemos muito facilmente. Ela nos torna cúmplices de sua história e de sua redenção.
UNA recusa-se a condenar ou perdoar Una ou Ray. Não estou interessado no cinema como uma espécie de placebo emocional. Eu prefiro o cinema como uma ferida aberta. Eu quero que a plateia saia se fazendo perguntas.
Claro, o que aconteceu entre Ray e Una nunca deveria ter acontecido, mas o que aconteceu transformou e fragmentou suas vidas. Cabe a nós montar as peças de suas vidas e refletir sobre como eles poderiam remediar a questão. Não há respostas fáceis.“
Benedict Andrews, Reykjavík, Agosto de 2016.