Espetáculo gratuito “A descida do Monte Morgan” estreia em Paulínia

Até que ponto pode ser fiel a si mesmo, sem que esta fidelidade invalide qualquer verdade perante os outros, ainda me exima de qualquer vergonha ou culpa, e não soe egoísmo puro?

Com “A Descida do Monte Morgan”, o dramaturgo Arthur Miller nos lembra que vivemos em relação aos nosso princípios (os que sentimos e os que pensamos), os quais devemos adequar para viver medianamente em harmonia com as demais pessoas, em sociedade.

Às vezes, os valores individuais são anti-valores sociais e, outras vezes, os valores de uma sociedade são considerados díspares aos nossos valores pessoais. Miller já tinha 76 anos quando escreveu o texto (estreou em 1991, mas permanece inédito no Brasil), e o resultado parece afirmar um individualismo ao extremo, ao ponto de não perceber os efeitos colaterais que esse tipo de comportamento causa, questionando a responsabilidade social de cada homem.

Miller nos apresenta Lyman Felt, um homem de sucesso, bígamo, filho de judeus e albaneses, que conseguiu fundar sua própria empresa de seguros e tornar-se um dos homens mais respeitados dos Estados Unidos. Fiel a seus sentimentos única e exclusivamente, Lyman envolve suas 2 mulheres numa vida de mentiras. No entanto, a peça não trata-se apenas de uma típica história de triângulo  amoroso, tampouco um questionamento moral sobre monogamia e bigamia, muito menos a escolha de Lyman, um homem de 56 anos que deve decidir entre sua esposa Theo, com quem é casado há 30 anos, tem uma filha e vive como um exemplar pai de família responsável e controlado, ou a jovem segunda esposa de APENAS 30 anos, Leah, com quem tem um filho de 9 anos.

Miller abre a peça com Lyman num leito de hospital – ele acabou de sofrer um trágico acidente na estrada do Monte Morgan – todo quebrado, sonhando que está dando uma palestra a corretores. Desde já, lança a ironia e provoca um jogo cênico, no qual tudo que o espectador verá pode ser realidade ou apenas produto da consciência culpada de Lyman. O texto passa por passado, presente e delírio sem iniciar ou finalizar cada cena. As personagens transitam por estados, emoções e tempos de uma réplica a outra, resultando num jogo ágil e teatral por excelência.

Apesar de toda mentira e isenção de culpa que Lyman sente, ele é um homem encantador e acredita profundamente que viveu e permitiu que essas mulheres tenham vivido os melhores anos de suas vidas quando ambas foram casadas com ele. Quando essas mulheres descobrem a verdade no hospital, é que um grande dilema existencial surge em suas vidas: como continuar vivendo uma vida que não era de verdade e o que/como estão dispostas a viver agora?

Lyman ganhou dinheiro, pagou religiosamente os impostos, deixou de escrever poemas e abandonou o sonho de ser escritor ainda jovem. Está muito adaptado, com todos seus deveres sociais sob controle. Foi um pai atento de Bessie, sua filha maior, e ensinou Benjamim, seu filho menor, a esquiar, escalar montanhas. Só que eles não sabiam da existência um do outro até que o pai sofre o acidente de carro no Monte Morgan.

Bessie, a filha de Theo, surge consciente para lembrar a seu pai de que no mundo também há os outros e estes têm seus próprios desejos. Evidencia a atitude do pai como egoísta e irresponsável com as pessoas que ama. O pai de Lyman, já falecido, aparece como uma assombração e representação da morte. O advogado e amigo de Lyman, o moralista Tom Wilson, divide-se entre compreender o amigo, invejar sua audácia e odiar sua irresponsabilidade com suas mulheres e filhos. Por fim, a enfermeira Logan, responsável por Lyman, apresenta uma filosofia simples de vida, contrariando e contrapondo todos os valores que este homem acredita (talvez algum dia ele também tenha desejado isso), sem deixar de ser compreensiva e amigável a ele.

Com muito humor, Miller tece esse emaranhado de sentimentos e relações que misturam diversos conceitos e preconceitos sociais, sentimentos díspares e ambíguos, fazendo com que, como as personagens, o público também se questione: consigo ser fiel ao que sinto e penso sem magoar os outros ou soar como mero arrogante egoísta? Não há uma resposta certa quanto à opção mais justa ou correta a ser tomada, pois cada vida em particular e cada decisão de  fidelidade a si mesmo ou aos outros tem que levar em conta as circunstâncias em que se apresentam os fatos.

Ary França vive o apaixonante e dividido Lyman, as atrizes Lavínia Pannunzio e Lú Brites vivem suas duas mulheres, Theo e Leah, respectivamente. O elenco completa-se com Fábio Nassar, Jú Colombo e Paula Ravache.

Esta é a segunda direção teatral do cineasta Luiz Villaça (estreou com “Sem Pensar” em 2011, eleito Melhor Espetáculo de Comédia pelo voto popular), tem cenários e figurinos de Márcio Medina, luz de Wagner Freire e trilha sonora original de Fernanda Maia.

SERVIÇO
A descida do Monte Morgan
Data: 02 e 03/Março
Sábado: 20hs | Domingo: 19hs
Theatro Municipal de Paulínia
Endereço: Av. José Lozano Araújo, 1551 – Pq Brasil 500
Informações: (19) 3933-2140 – www.teatrogt.com.br

Valores:

1 kg de alimento não perecível. Troque seu ingresso no dia do espetáculo a partir de 2 horas antes do início de cada sessão. Sujeito à lotação do Teatro.

*As informações são de responsabilidade de seus organizadores e estão sujeitas a alterações sem aviso prévio.

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