A Frequência Não Modulada desta sexta feira será sobre David Bowie. Bem, não exatamente sobre sua carreira e sim sobre seu último disco, The Next Day. Realmente esperava que a primeira vez que eu falasse sobre ele fosse num artigo especial, explanando melhor a carreira e tal. Acontece que pra falar mais sobre esse influente e icônico artista eu precisaria de mais tempo pra detalhar como se deve, entendem? E a pauta veio um pouco em cima da hora. Mas prometo compensá-los no futuro.
Após um hiato de uma década sem um disco de inéditas (o último lançado foi “Reality”), eis que o Camaleão do Rock surge com um disco consistente com certo teor pop. Com 100 mil cópias vendidas, atingiu o primeiro lugar das paradas (desde Black Tie White Noise, de 1993). Relevância é isso. Dez anos sem lançar nada… lança algo hoje e bang: na cara da indústria fonográfica, apenas. Qualquer projeto que leve o nome Bowie… enfim, não é de se esperar o contrário.
Produzido pelo parceiro de longa data Tony Visconti, The Next Day, o 24º disco de estúdio de Bowie soa mais ameno em relação a seus trabalhos anteriores como Space Oddity, Ziggy Stardust e Aladdin Sane, o que não é de se surpreender no final das contas. Mas não é porque ele soa “ameno” ou “pop” que ele pode deixar de soar estrondoso. Muito pelo contrário: é um dos seus trabalhos mais fortes.
Forte trabalho. Vejamos… não foi o que pareceu quando ele liberou a faixa “Where Are We Now” em janeiro. Como single de espera, ainda mais de um tão esperado retorno de um ícone ao cenário musical, espera uma música impactante e intensamente ligada à sua imagem e não uma típica melancólica balada bowiana, que faz referências a sua estadia em Berlim e sobre a importância de nossa identidade. Muito bonita, por sinal. Digamos que essa escolha do primeiro single foi uma estratégia das boas.
O conceito da capa do álbum é ainda mais interessante. Inteligente da parte dele reaproveitar a capa do disco “Heroes”, de 1977, encobrindo o rosto com o título do álbum num simples fundo branco, como se quisesse esconder sua imagem, pedindo para que focassem mais na música. Querendo ou não, acaba soando como reinvenção, ainda mais vindo de um artista como Bowie. Um tanto irônico para quem construiu sua carreira a base de mudanças visuais e estilísticas. Antes de prosseguir com o texto, o disco completo:
Ao colocar o álbum pra tocar, você se agrada logo de cara. É um amor a primeira vista. Não sei se é pelo hiato de dez anos ou pelas músicas. Ou pelos dois. A qualidade da produção é fora de sério. Até a ordem das canções soa sensata. O álbum já começa enérgico, a força que emana das melodias é óbvia. As letras, tão consistentes quanto as antigas, retratam uma insegurança adolescente aos olhos de garotos perdidos. Uma pessoa vivida falando de experiências joviais: coerente? Sim, por que não?
Com muitos efeitos eletrônicos, Bowie canta na introdutória faixa título mostrando a que veio, falando sobre as dificuldades da vida, da carreira, de como se mantém em pé depois de todos esses anos. The Stars (Are Out Tonight), o segundo single do álbum, foi muito bem aceito pela crítica. Ao som de guitarras encorpadas, ele se compara atualmente com o astro que foi no passado, cantando versos como “estrelas nunca estão longe, elas nos assistem por trás das sombras”.
If You Can See Me é uma faixa mais eletrônica do que rock, cuja influência do som que Brian Eno (produtor por trás de discos dos Talking Heads, U2 e Coldplay) faz é visível. Valentine’s Day é a típica balada romântica radiofônica. A guitarra abafada de Love is Lost exprime bem os sentimentos propostos: insanidade e solidão. A vibe setentista dançante de Dancing Out In Space é contagiante e despretensiosa, além de matar a saudade dos fãs dessa década tão rica na carreira do músico.
Apesar do disco soar moderno, é muito óbvio que Bowie referencia The Next Day no próprio passado. A sonoridade mistura aquele Bowie da década de 70 com o da década de 80, resultando em uma experiência sonora única. Única. Cada música remete a uma fase do músico. Essa mescla do passado com o presente não soa “saudosista”: soa revigorante. É um retorno e tanto. Valeu a pena esperar essa década, hein.
"Discaço"