Quem tiver mais de trinta anos e assistir ao espetáculo teatral “Abnegação II – O Começo do fim” entre 26 e 29 de janeiro no Sesc Copacabana provavelmente se lembrará – ainda que seja uma suspeita – do assassinato do ex-prefeito da cidade de Santo André, Celso Daniel, assim como do caso semelhante, relacionado ao ex-prefeito Toninho, de Campinas. No entanto, os diretores Alexandre Dal Farra e Clayton Mariano fazem questão de afirmar que não se trata de uma peça sobre o caso. “A história ali apresentada é inteiramente ficcional. Tudo ali é imaginado. Usamos o caso sem nenhuma pretensão documental. Nunca tratamos o assunto com intenção de investigar a verdade dos fatos. O caso Celso Daniel foi uma referência para nós, assim como o caso do Toninho, ex-prefeito de Campinas e outros tantos polêmicos da história recente brasileira. O foco da pesquisa não são os casos específicos, mas sim, os momentos em que a grande política nacional se aproxima do mundo do crime, da violência pura e simples, a ponto de se fundir a ela”, explica Dal Farra.
Segunda parte da Trilogia Abnegação – que teve inicio em 2014 com “Abnegação I” (indicado ao prêmio APCA de Melhor Autor) e foi concluída “Abnegação III – Restos”, com apresentações de 19 a 22 de janeiro e de 02 a 05 de fevereiro, respectivamente – “Abnegação II – O Começo do Fim” é mais do que uma continuação do primeiro espetáculo e busca um aprofundamento das questões ali exploradas. A montagem do grupo Tablado de Arruar trata das transformações que um partido político sofre para chegar pela primeira vez ao poder nacional. Com texto de Alexandre Dal Farra, a peça traz no elenco os atores André Capuano, Alexandra Tavares, Gabriela Elias, Vinicius Meloni e Vitor Vieira. A partir da construção de dois planos ficcionais que se tensionam mutuamente, “Abnegação II – O Começo do Fim” expõe com violência a trajetória contraditória de um partido de esquerda que, em um momento de ampliação de seu alcance, ao mesmo tempo em que galga novas posições ampliando o seu horizonte político, cede mais e mais à dinâmica criminosa e cínica que organiza e estrutura o poder no capitalismo em geral, e de forma ainda mais clara na sua versão marginal e periférica.
Diferente do que ocorre em “Abnegação I”, onde o “assunto” da peça, ou melhor, a razão pela qual a cena se faz, nunca chega a ser revelado, “Abnegação II – O Começo do Fim” trata-se de expor as razões, as propostas, as questões, em suma, tudo que é pensado ou imaginado por cada uma das personagens é o tempo todo dito, colocado para fora. “Tudo, aqui, está explícito. É com esse pressuposto da explicitação de tudo que chegamos a um espetáculo de violência extrema, mantendo pontos de diálogo com a dramaturgia inglesa de Sarah Kane ou Mark Ravenhill, assim como de autores brasileiros como José Agrippino de Paula”, conta Dal Farra.
A direção busca radicalizar ao máximo a proposta – que há alguns anos já é o centro da pesquisa do grupo – centrada unicamente no ator e no texto. Não existe cenografia, não existem adereços, nenhum um único objeto de cena, a não ser elementos consumidos pelos próprios atores. Da mesma forma, o figurino e a luz evitam qualquer tipo de efeito ou caracterização que chamem atenção para si. “Na peça, a própria movimentação dos atores não é um foco no sentido de uma composição ou qualquer tipo de desenho estilizado de cena. Com isso, procuramos nos afastar de qualquer efeito de virtuose, ou de estilizações e formalismos desnecessários àquilo de que queríamos falar. Acreditamos que a força da encenação está justamente no jogo entre texto, atores e público, de forma que tudo o que é subtraído da cena aparece como sugestão, e é imaginado pelo público”, explica Clayton Mariano.
“Nossa proposta inicial era fazer uma peça totalmente antifetichista. No sentido de eliminar ao máximo todo e qualquer elemento ou recurso que não fosse estritamente necessário à estrutura da peça. Isto se estende do cenário ao trabalho com os atores. Como nas vertentes protestantes do cristianismo, nos interessou essa aposta no poder da palavra em si, em extirpar da cena tudo o que se refira a apelos sensitivos e, com isso, provocar o público a efetivamente erguer a cena por sua conta, a partir das sugestões que a cena lhes dá”, coloca Dal Farra.
Grupo Tablado de Arruar
Temporada: de 26 a 29 de janeiro – de quinta a sábado, às 21h, e domingo, às 20h.
Sesc Copacabana – Mezanino
Endereço: Rua Domingos Ferreira 160, Copacabana
Tel.: (21) 2547-0156.
Duração: 110 minutos
Lotação: 50 lugares
Classificação etária: 16 anos
Ingressos: R$ 25,00 (inteira), R$ 12 (meia) e R$ 6 (associado Sesc)
Bilheteria: aberta de terça a sábado das 13h às 21h e domingo das 13h às 20h
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