Seleção traz obras emblemáticas de cineastas como Bernardo Bertolucci, Agnés Varda, Kira Muratova, Med Hondo, Toshio Matsumoto e Julie Dash
A mostra Olhares Clássicos da oitava edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Cinema de Curitiba complementa a lista dos filmes a serem exibidos neste ano. Serão diversas homenagens e celebrações que somam-se à primeira parte da programação divulgada anteriormente.
Uma das celebrações é o 50º aniversário de O Funeral das Rosas (1969), dirigido por Toshio Matsumoto (1932-2017), uma desconcertante obra-prima japonesa que desafia gêneros cinematográficos e cuja recente restauração pela Arbelos Films terá sua estreia brasileira no Olhar de Cinema. Matsumoto, hoje considerado uma figura-chave para o cinema experimental japonês, escalou não-atores que trabalhavam em bares e boates da cena LGBTQ local para uma releitura de Oedipus Rex transposto para a Tóquio contemporânea. Seu primeiro longa-metragem contém uma ousada mistura hiper-editada de elementos de ficção e documentário, incluindo entrevistas nas quais alguns dos autodenominados “garotos gays” falam sobre sua forma particular de compreender a interpretação de papeis, cenas que ajudam a transformar O Funeral das Rosas em um dos clássicos do cinema queer.
Recentemente, a série de filmes L.A. Rebellion tem sido exibida em diversas cidades brasileiras, trazendo consigo pérolas de cineastas independentes negros dos Estados Unidos e da África que trabalharam em Los Angeles entre os anos 1960 e 1990. Para homenagear a força duradoura dessas obras, o Olhar de Cinema apresentará um dos maiores filmes do movimento, Filhas do Pó (1991), o primeiro longa-metragem de sua mais importante realizadora, Julie Dash (nascida em 1952), recentemente restaurado pela Park Circus. Este encantador e criativo filme mistura uma variedade de formas musicais, rítmicas e narrativas para apresentar as moradoras femininas de uma ilha ao largo da costa do sul dos Estados Unidos às vésperas de uma migração para o continente e suas tentativas de conciliar suas raízes na África Ocidental com a vida em um mundo novo.
O Olhar de Cinema também reafirma seu compromisso com o cinema africano, dando sequência à retrospectiva do ano passado que nos trouxe os filmes de Djibril Diop Mambéty. Neste ano, o festival homenageia outro grande cineasta do continente, o mestre mauritano Med Hondo (1936-2019), que faleceu em março deste ano, deixando para trás uma pequena, porém indelével e terna filmografia repleta de uma justa indignação com o impacto do colonialismo sobre a psique de seu povo. O primeiro longa-metragem de Hondo, o filme docu-ficcional Ó, Sol (1970) – restaurado pela Cineteca di Bologna como parte do recém-inaugurado African Film Heritage Project – acompanha um trabalhador imigrante africano na França que luta para resguardar suas forças em meio a visões macabras e injúrias diárias. O filme de Hondo, frequentemente surreal e se assemelhando a uma colagem, foi premiado com o Leopardo de Ouro em Locarno em 1970 e até hoje detém uma força esmagadora com seu chamado para que os espectadores libertem seus corpos e mentes das mais variadas formas de escravidão.
O festival também homenageia uma figura icônica do cinema narrativo europeu, com uma exibição de seu quinto e talvez mais influente longa-metragem, também restaurado pela Cineteca di Bologna, em colaboração com a Minerva Pictures. Bernardo Bertolucci (1941-2018), falecido em novembro do ano passado, criou uma das mais belas experiências fotográficas e cenográficas com O Conformista (1970), um filme de época que acompanha a trajetória entre as duas guerras mundiais a partir de um intelectual autopunitivo (interpretado por Jean-Louis Trintignant), que busca eliminar todos os traços da sua criação familiar aliando-se e conformando-se com as exigências da polícia secreta de Mussolini. Bertolucci foi um conspícuo diretor autoral, capaz de abalar seu público a cada novo filme através dos comportamentos e ações perturbadoras de seus personagens, frequentemente em momentos do passado recente que o diretor reinventava para comentar as tensões e divisões políticas da Itália moderna. O pensador marxista sempre se utilizou do limite dos seus orçamentos para criar um efeito arrebatador e inquietante – no caso de O Conformista, para expor lado a lado o terror e o encanto atemporal do fascismo.
Outra homenageada do Olhar de Cinema este ano é uma autora menos conhecida que faleceu no dia da abertura da edição de 2018 do festival. O público brasileiro teve poucas oportunidades de conhecer o trabalho da diretora russo-ucraniana Kira Muratova (1934-2018), cujo filme Conhecendo o grande e vasto mundo (1978) será exibido em um DCP restaurado fornecido pelo National Oleksandr Dovzhenko Film Center. Essa obra lírica e excêntrica retrata um triângulo amoroso entre três pessoas itinerantes ao mesmo tempo que explora a avivada paisagem rural que os rodeia. Nunca houve outro grande cineasta cuja obra fosse simultaneamente tão vulnerável e provocadora, tão tenra e combativa, e tão intimamente épica quanto os filmes de Muratova, uma artista libertadora sempre ávida por surpreender.
Por fim, o Olhar de Cinema prestará homenagem a uma das verdadeiras gigantes do cinema, que nos deixou há poucas semanas: Agnès Varda (1928-2019), uma maestra sagaz e encantadora nascida na Bélgica, radicada na França, cujo último filme, Varda por Agnès (2019), será em breve lançado nos cinemas brasileiros. O festival exibirá uma cópia digital restaurada da mK2 Films de um dos seus filmes mais celebrados, Os Renegados (1985): um retrato áspero e melancólico de uma jovem mulher mendiga (em uma atuação impressionante de Sandrine Bonnaire) cuja incansável busca por abrigo e amparo no interior da França é apresentado em flashbacks após sua morte. Ao curso da longa e prolífica carreira de Varda, a diretora criou sua própria combinação de documentário e ficção com a meta de transmitir máximas verdades emocionais sobre a existência humana moderna. Ela sempre teve uma atenção especial às pessoas que vivem nas margens da sociedade, e Os Renegados exibe a afetividade emblemática de seu olhar.
Confira a programação completa da Mostra Olhares Clássicos:
- O Funeral das Rosas (Funeral Parade of Roses, dir. Toshio Matsumoto, Japão, 1969, 105 min. )
- Filhas do Pó ( Daughters of the Dust, dir. Julie Dash, EUA, 1991, 112min. )
- Ó, Sol (Soleil Ô, dir. Med Hondo, Mauritânia, 1970, 98 min.)
- O Conformista (Il conformista, dir. Bernardo Bertolucci, Itália, 1970, 113 min. )
- Conhecendo o grande e vasto mundo (Getting to Know the Big Wide World, dir. Kira Muratova, União Soviética, 75min. 1978)
- Os Renegados (Sans toit ni loi, dir. Agnès Varda, França, 105 min. 1985)
- A Longa Caminhada (Walkabout, dir. Nicolas Roeg, Austrália/Reino Unido, 1971, 100min)
- Cantando na Chuva (Singin’ in the Rain, dir. Stanley Donen, EUA, 1952, 103min)
- Memórias do cárcere (dir. Nelson Pereira dos Santos, Brasil, 1984, 185min)
- Programa Germaine Dulac
- Celles qui s’en font (dir. Germaine Dulac, França, 1928, 6min)
- La cigarette (dir. Germaine Dulac, França, 1919, 56min)
- Danses espagnoles (dir. Germaine Dulac, França, 1928, 7min)
- Reminiscências de uma Viagem à Lituânia (Reminiscences of a Journey to Lithuania, dir. Jonas Mekas, Lituânia/EUA, 1972, 82min)
Outras notícias sobre a edição deste ano do Olhar de Cinema podem ser encontradas no site olhardecinema.com.br.
O 8º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Cinema conta com patrocínio do BRDE, FSA e Ancine, apoio da Sanepar, Copel, Bigben, Ademilar, Lojacorr, incentivo da Lei de Incentivo à Cultura de Curitiba, Fundação Cultural de Curitiba e Prefeitura de Curitiba, Profice, Governo do Paraná e realização da Grafo Audiovisual, Secretaria Especial da Cultura, Ministério da Cidadania e Governo Federal.
SERVIÇO
8º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba
De 5 a 13 de junho
1º Encontros de Cinema de Curitiba
De 9 a 11 de junho
A atividade paralela ao festival, voltada para o mercado.