Pela primeira vez em sua trajetória, a Cia. de Dança Palácio das Artes terá dois diretores atuando em uma montagem. Ainda em processo de criação, com estreia prevista para dezembro, o novo trabalho terá assinatura do mineiro Tuca Pinheiro e do pernambucano Jorge Garcia e, inicialmente, abordará a força dos ‘coletivos’. Nos próximos três meses, a dupla de diretores vai trabalhar a dança contemporânea sob a perspectiva de diferentes linguagens e estimular os bailarinos a se tornarem coautores da obra.
A direção compartilhada do novo espetáculo foi uma sugestão do diretor artístico da companhia, Cristiano Reis, que assumiu a gestão do grupo em março. Segundo Cristiano, a iniciativa de abrir espaço para dois coreógrafos estimula a relação que os bailarinos têm com a dança. “As diferentes ideias que cada um dos diretores pode apresentar no início dos trabalhos colaboram com o processo de pesquisa da Cia de Dança e instigam o bailarino a ser, também, um criador desse processo. Nós somos uma companhia autoral, quanto mais diverso o nosso repertório, melhor será a criação”, explica.
As pesquisas começaram em maio, quando a Cia de Dança realizou workshops para os bailarinos e Tuca Pinheiro e Jorge Garcia estavam entre os seis profissionais convidados. Cada convidado permaneceu na companhia durante uma semana. Nessa breve residência, os trabalhos compreenderam exercícios de expressão corporal, dinâmicas em grupo, filmes e palestras. E, ao fim das atividades, em junho, Tuca Pinheiro e Jorge Garcia foram convidados a assumir a direção da nova montagem da CDPA.
Durante o período em que realizaram os workshops, Tuca e Jorge trabalharam dinâmicas distintas. Tuca propôs a desconstrução do imediatismo do corpo do bailarino com a oficina A Urgência da Ineficiência. Ao combinar lençóis e movimentos mais suaves e delicados, o coreógrafo diminuiu o ritmo dos bailarinos para, segundo ele, quebrar o estado de prontidão do grupo. “O workshop foi pensando para eliminar essa ansiedade de ter algo definitivo, e eu propus que nós construiríamos, por etapas, uma célula coreográfica de cada vez”, detalha Tuca.
Já as atividades propostas por Jorge tiveram um efeito oposto. Os bailarinos dialogaram diretamente com seus corpos, realizando exercícios físicos e de recreação, com gestos e expressões mais intensos. A oficina teve como base o trabalho Laboratórios de Criação, da J. GAR. CIA Dança Contemporânea, companhia que dirige em São Paulo. Ele explica que a ideia era intensificar as descobertas do grupo. “Foi um momento em que os bailarinos buscaram essa sensação de presença, de fazer parte de algo ou entender como o corpo pode se relacionar com determinado objeto e o que aquele objeto pode oferecer como instrumento de criação”.
Os contrapontos presentes na metodologia de criação dos diretores deram o ultimato para que ambos fossem escolhidos coreógrafos da nova montagem. Segundo Cristiano Reis, Tuca Pinheiro e Jorge Garcia possuem características pertinentes à proposta de criação da Cia de Dança para 2015. “Quando começamos a pensar na nova coreografia, a minha ideia era ter dois profissionais que conseguissem dialogar a dança como um todo, legitimá-la por si só e por outras linguagens. O Tuca e o Jorge possuem esse hibridismo que habita diversas criações contemporâneas, e é exatamente isso o que a Companhia precisa para dar sequência à criação do espetáculo”, destaca. Os dois já atuaram com a Cia de Dança em momentos diferentes. Em 2004, Tuca assinou a direção coreográfica de Coreografia de Cordel e, há cerca de dois anos, Jorge ministrou um workshop para os bailarinos.
Esta será a primeira vez que os dois vão trabalhar juntos. Embora estejam familiarizados com as criações um do outro, diretores destacam este primeiro momento como uma fase de observação mútua e compartilhamento de ideias. “Eu percebo que o Tuca tem uma abordagem mais humana, mais poética, generosa. Às vezes eu me pego em alguns questionamentos sobre o trabalho e ele me ajuda a pensar e refletir sobre esse processo inicial”, aponta Jorge. Já Tuca destaca a sintonia que começa a fluir na dupla, mesmo com propostas diferentes de trabalho. “O Jorge vem com o desejo de compartilhar ideias comigo, com os bailarinos, com a própria dança. E isso, nesse começo de trabalho, é fundamental”.