Com alguns anos de carreira, Iara Rennó já conta com uma rica discografia. O que era de se esperar, sendo ela filha de Alzira Espindola e Carlos Rennó e desde a infância bebendo no crème de la crème da vanguarda paulista
Com o grupo Dona Zica (nome central na música paulistana contemporânea), lançou dois álbuns, Composição (2003) e Filme Brasileiro (2005). Em 2008, idealizou e produziu o ambicioso projeto Macunaíma Ópera Tupi, disco-conceito inspirado na obra-prima de Mário de Andrade que se desdobraria mais tarde no espetáculo Macunaíma No Oficina – Ópera Baile (2010), montado no histórico Teatro Oficina.
Mais recentemente, em 2012, em parceria com Cibelle, Rubinho Jacobina e a banda Do Amor, lançou o álbum A.B.R.A pré-ca – Amigos Bandidos Residentes no Amor Pré & Carnaval, uma divertida coleção de marchinhas autorais compostas para o carnaval daquele ano. Além disso, Iara já teve algumas de suas canções interpretadas por grandes artistas da música brasileira como Ney Matogrosso e Elza Soares. Como se vê, não se trata de uma estreante. Mas em alguma medida, podemos considerar o disco que lança agora, o seu disco de estreia. Uma das razões está estampada logo em seu título, que pela primeira vez vem batizado com seu nome, I A R A.
Antes de mais nada é preciso dizer uma coisa: I A RA, lançamento do selo Jóia Rara, de Zé Pedro, com produção assinada por Moreno Veloso, é um disco de rock! E aqui, não me refiro ao gênero, mas ao espírito transgressor próprio do estilo em seus melhores momentos. Transpira transgressão. Seja pela formação de sua banda, um power trio incomum, com Ricardo Dias Gomes substituindo o habitual baixo por um pocket piano (um tipo de mini-sintetizador eletrônico que mais parece um brinquedo), além da própria Iara na guitarra e Leo Monteiro na bateria, percussão eletrônica e ruídos. Seja em sua produção habilmente conduzida por Moreno, de sonoridade precisa, justa, às vezes dura, quase seca, na contramão de produções mais “bem acabadas”. Mas, sobretudo, pelo modo como Iara e sua excelente banda se debruçam sobre as canções de modo sempre inusual, inventivo, desafiador.
Um cabo de força imaginário parece orientar todo o disco. De um lado, o desejo de afirmação da persona artística de Iara Rennó, explicitada nas novas canções como que para identificar sua contribuição pessoal em seus trabalhos anteriores. De outro, um comportamento irrequieto, sem descanso, por vezes atormentado, sempre em busca de novos e desconhecidos caminhos para sua música, comportamento este, que no fim das contas, parece ser o que melhor define a personalidade artística de Iara. A canção Outros Tantos (Iara Rennó), desenvolve o que tento dizer aqui de forma quase didática. Ela aparece dividida em duas faixas do disco, uma delas classificada como Intro. Mais do que ser apenas uma introdução, esta faixa nada mais é do que a própria canção interpretada por Iara na íntegra, acompanhada “apenas” de sua guitarra. A canção desnuda, deixam expostas a cantora, de voz segura e timbre original e a compositora, de muitos recursos melódicos e letrista inspirada. Esta mesma canção é apresentada novamente na faixa seguinte, desta vez apoiada quase que somente pela bateria e uma base eletrônica algo monótona, claustrofóbica, que “emperra” sua melodia. Coerente com o que diz a letra, “na inconsciência de si, perder-se, somente pra encontrar-se”, afinal, continua a letra, “haverá outros tantos carnavais, entretanto jamais, já não serão iguais”.
O caminho a seguir nunca é o que seria natural à canção. A faixa Arroz Sem Feijão (Iara Rennó) por exemplo, na verdade um samba canção abolerado ao melhor estilo dor de cotovelo, recebe um arranjo à la Kraftwerk. O tom algo exagerado de sua melodia e sua letra passional são esfriados por um arranjo eletrônico, mais cerebral, minimalista. Porém, sua melodia “desavergonhada”, faz descolar-se desse arranjo uma certa cafonice, normalmente mais associada ao gênero em que a canção se inspira. Ao fazer a volta, mostra-se acertado o partido musical que a canção tomou. A regravação de Roendo as Unhas, é outro ótimo exemplo disso que tento fazer notar. A massa sonora atordoante produzida pelo groove fraturado da bateria de Léo e pelos riffs soturnos de Iara e Ricardo, resulta em um improvável acento pós-punk, surpreendentemente adequado ao extraordinário samba de Paulinho da Viola. Mais do que uma frágil tentativa de modernização, de resto desnecessária, a regravação de Iara tem a grandeza de revelar o que de não samba já existia nesta linda canção, uma das mais estranhas e inventivas de toda a obra de Paulinho da Viola.
I A R A, o disco, cumpre com sucesso o que parece ser o seu desejo. Reconhecemos nele a grande obra que Iara Rennó vem construindo ao longo de sua carreira, ao mesmo tempo que nos surpreendemos com sua reinvenção. Em Já Era (Iara Rennó), faixa que abre o disco, Iara canta: “Já era, já era seu, já era seu ventre, já era seu ventre a casa” e confessa: “só faltavam asas e agora já não falta quase nada”. Já era Iara antes. E agora mais do que nunca, já é!
Sobre o show
Leo Monteiro (bateria e eletrônicos) e Ricardo Dias Gomes (pocket piano), acompanharão Iara (vocal e guitarra) também no show de lançamento, em 26 de novembro, terça, no Espaço SESC Rio.Moreno veloso, produtor do disco, e Negro Leo são os convidados especiais, e o refinado trabalho de video-mapping da artista visual Cristina Amazonas, sob a direção afiada de Ava Rocha, é combinado com texturas de luz que criam diferentes profundidades na cena, conferindo ao espetáculo uma interação de linguagens. O público é, assim, convidado a penetrar no universo sinestésico de I A RA. No repertório, canções autorais do álbum, como Outros tantos e Arroz sem feijão e versões como Roendo as unhas, de Paulinho da Viola.
Data: 26 de novembro, terça-feira
Horário: 20:30h
Espaço SESC
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana, Rio de Janeiro
Ingresso: R$ 5 (associados Sesc) R$ 10 (estudantes, idosos e menores de 21 anos)
Preço: R$ 20 (inteira)
Tels.: 21 – 2547-0156
Classificação etária – livre
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