Todos sabem que aqui na Frequência Não Modulada não falamos só de música, mas de assuntos (reais ou não) que nos remetam ao assunto. Eis aqui uma pequena história disléxica dividida entre o sonho da conquista da fama e as ironias do destino. Alanis Morissette aprovaria.
O Topo
Era uma neblinosa manhã de segunda-feira no corredor da Paranoid Records, uma das maiores gravadoras emergentes do país. Tarso, que finalmente tinha conseguido seu tão sonhado emprego numa gravadora (mesmo que ainda em desenvolvimento), estava com seu órgão vital – popularmente conhecido como fone de ouvido (objeto este responsável pelo ensurdecimento precoce dele alguns anos depois) – cantando Suspicious Minds, grande sucesso de Elvis Presley, distraído e preso num mundo o qual ele não sabia se faria parte ou não algum dia.
Naquele mesmo corredor, um empresário saía infeliz da porta do big boss da gravadora, simplesmente porque não conseguia vender seu peixe. Conseguir um contrato para um promissor cantor que assessorava era mais difícil do que a possibilidade da Kesha não usar o autotune. Pobre Salém.
A indústria fonográfica já estava saturada daquele som e, por isso, nunca era passado adiante. Eletrônico, Dance e R&B “mais do mesmo” infestavam as rádios e era o que o público jovem gostava. Tinha audiência, certo, mas as vendas não eram mais a mesma coisa: vide a era da tecnologia. Downloads desenfreados. Quem pagaria por algo que dá pra conseguir de graça? Qualidade e consistência pra quê? Queremos o topo dos charts e vendas everestianas.
Salém, já sem esperanças, preparava o “ white sombrero” e o protetor solar para vender água de côco na praia, quando ouviu Tarso cantar. Seus olhos brilharam ao ouvir aquela voz tão única. Uma voz versátil: oscilava do grave profundo pro agudo sem um desafino que fosse. Tratava-se de uma voz completamente diferente, que tiraria a indústria fonográfica daquele marasmo fútil e superficial de discos produzidos a curto prazo, sem aquele toque genial, retrô e ao mesmo tempo futurista, por exemplo.
Como um talento daqueles trabalha num escritório atendendo telefone ou carregando pacotes de papel A4, desperdiçando seu tempo sendo que ele poderia estar trabalhando em algo inovador? É como dizem, “tempo é dinheiro” e, por mais que os pensamentos dele fizessem completo sentido, ele teve de interrompê-los para correr atrás do “jovem garoto com fone de ouvido”, como era conhecido no setor. Ele tocou o ombro do rapaz e disse:
– Esses seus graves e nuances vocálicos são incríveis.
– Oi? – Assustou-se Tarso.
– Eu preciso de você!
– O que?
– Preciso de você na gravadora. Agora.
– Ah é? E quem me garante que você não vai me vender como escravo sexual na Europa?
– Como se você tivesse perigón suficiente para se tornar es… Pausa súbita. Desconforto. Pinta. Enfim, o que quero dizer é que sua voz é única atualmente, ainda mais neste cenário musical tão repetitivo quanto este em que vivemos.
– Ok, ok. Posso me desligar do mundo com meu fone de ouvido, mas não sou cego. Não é de hoje que eu vejo você sair desiludido da sala do big boss, sem ninguém pra apresentar. Estou disposto a ajudar você. Eu aceito que você me assessore, eu assino o contrato que for.
– Sério? Faria isso?
– Sim, mas não faço isso por mim. Sei do meu talento e que, mais cedo ou mais tarde, um empresário me acharia. Você é um cara de sorte que, coincidentemente, estava na hora certa e no lugar certo. Em suma, aceito o trato. Mas com uma condição.
– Qual?
– De que não vai me vender como escravo sexual na Europa.
– Fechado.
E foi assim que Tarso, com toda sua humildade e singeleza, conseguiu seu primeiro contrato na gravadora e conquistou o mundo com sua poderosa voz. Mesmo contra sua vontade, ele aperfeiçoou sua voz em aulas de canto (mesmo achando desnecessário) e arrancou ainda mais elogios da crítica especializada.
Seu disco de estréia quebrou recordes ao ficar 13 semanas no topo da Billboard 200 e levar 5 Grammy Awards na mesma noite. Tarso decidiu não entrar em turnê para não gastar sua voz. Diferente da dupla Milli Vanilli, sua credibilidade e capacidade musical estavam intactas. “Todos sabem que sei cantar”. O rótulo de cantor de estúdio não surtiria efeito sobre ele. E, mesmo sem subir num palco, o álbum vendeu aproximadamente 15 milhões de cópias.
O topo era dele. Literalmente. Ele escalou o Monte Everest e lá fincou sua bandeira: seu nome na história da música. Ah, o ego. Como podia um artista tão jovem ter concretizado tanto em tão pouco tempo? Seu dinheiro podia comprar coisas inimagináveis. Mas, ironicamente, não pôde comprar uma coisa: um material de escalada mais resistente.