Antes de mais nada, a “reestréia” da Frequência Não Modulada foi concebida num momento pós férias, onde o tema foi decidido às pressas. É um excelente tema de “volta ao batente”, se é que me entendem. Não, não entendem. Pelo menos até agora. O que eu estou tentando dizer (prolixamente, é o sono, não reparem) é que esta cantora em questão foi a trilha sonora das minhas férias e, assim sendo, eu seria um inútil se não falasse sobre ela. Sim, ela fez minhas férias mais felizes: Shania Twain. Não levem isso como um chá de cadeira, só isso que eu peço. Não foi fácil compilar todas essas informações (e ser imparcial, claro).
Sem mais delongas, vamos começar falando sobre sua origem. Sua família era de origem pobre, moravam numa casa simples em Timmins, Ontário. Seu pai, Jerry, era lenhador e a mãe era dona de casa. A motivação de Shania para música se deve aos seus pais, principalmente à mãe dela, Sharon, que já havia notado o talento dela e a “empurrava” pros palcos, ainda criança. Estava sempre procurando algum bar ou lanchonete para ela performar. Seu pai, por sua vez, a ensinou a tocar violão. Shania era a única que fazia sua mãe, em grande parte do tempo depressiva, levantar da cama, apenas para ouvi-la cantar. Aos 8 anos, Shania já cantava e tocava ao vivo em bares locais.
No colegial, Shania tocava trompete na banda da escola, trabalhava no McDonalds e cantava num grupo de covers. Em 1983, foi contratada para uma turnê com um grupo de rock. Aos 17 anos saiu de Timmins e se mudou para Toronto, já bastante decidida do que queria. Mesmo longe da família, que já estava bem financeiramente graças ao trabalho do pai de reflorestamento, ela voltava todo verão para ajudá-los. Sua vida era dividida entre obter o sucesso entrando num grupo aqui e num grupo ali e ajudar a família nos negócios. Em Toronto, em 1º de novembro de 1987, Shania recebeu uma ligação que mudaria sua vida pra sempre: a morte prematura de seus pais num acidente de carro enquanto viajavam por uma estrada isolada no caminho para a floresta. Um caminhão carregado com madeira entrou na contramão, colidindo com o carro deles de frente. Morreram na hora. A questão central era: quem cuidaria dos irmãos adolescentes? As irmãs não dariam conta, com toda certeza. Logo, Shania teve que abandonar a carreira e voltar pra Timmins para sustentar a família.
Cuidar da casa, das crianças, de tudo… a música simplesmente não se encaixava. E ela fez isso sem reclamar. Ela recorreu a uma amiga de sua mãe, Mary Bailey, cantora country canadense, que a encorajou a persistir na carreira. Foi o empurrão que Shania precisava para seguir em frente. Mary ajudou Shania arrumar um emprego. Mas não um emprego convencional como balconista ou operadora de telemarketing. Ela arrumou um emprego no qual conseguiria sustentar a família fazendo o que mais sabia: cantar (ó, que genial). Shania subia, todas as noites, ao palco de um hotel numa floresta canadense. O show, desde a escolha do repertório até a vestimenta, era claramente inspirado na temática “Las Vegas”. E assim foi durante três anos: 11 shows semanais para sustentar a casa. Quando o irmão caçula terminou o colegial, em 1990, ela finalmente estava livre para realizar seu sonho. Sua função estava cumprida.
Dick Frank, uma espécie de advogado de artistas, foi assistir a uma performance de Shania no hotel a pedido de Mary. Depois que ela emitiu a primeira nota, ele não teve dúvida de que conseguiria um contrato pra ela. Assim, no verão de 1991, Shania se mudou para a capital do Country: Nashville. Estava prestes a colocar seus planos em prática… OPA! Não tão rápido assim. Ela, assim como muitos artistas, teve que obedecer as ordens da gravadora. Ela sempre se chamou Eileen Twain (nome de batismo), mas a gravadora quis vetar o sobrenome por achar que não soava bem. Obviamente, ela se recusou. Se recusou a trocar o sobrenome devido a memória dos pais. Então ela sugeriu trocar o primeiro nome: começou a usar Shania, que é um nome de origem indígena (vide as origens de seu pai, Jerry) que quer dizer “a caminho”. Quiseram até controlar a criatividade na hora de compôr. Agendavam sessões de três horas cada onde Shania se juntava com outros compositores para comporem algo juntos. Como assim?
Misturar gêneros é arriscado pra um cantor country. Quando ele, depois do sucesso, resolve se enveredar pelo pop, o resultado pode não ser um dos melhores. Não foi o caso de Shania. Mesmo com tantas ameaças por “arrasar e destruir a imagem country”, ela seguiu com seu estilo próprio, doesse a quem fosse. Bem, no primeiro disco intitulado SHANIA TWAIN, lançado em 1993, não foi assim. Era visível que ela escrevia as próprias canções desde os 10 anos de idade, porém o ar ditatorial da gravadora a impediu de “ser ela mesma”: queriam dizer a ela o que vestir, entre outras coisas. E só uma canção composta por ela entrou no disco. Um despautério. What Made You Say That e Dance with The One That Brought You foram os singles de maior sucesso do disco que, ao todo, não teve lá grande sucesso, exceto na Europa.
A desculpa para um artista entrar em turnê é de divulgar o álbum, promovê-lo como se deve… de fazer vender como água. E quando uma artista consegue vender mais 13 milhões de cópias sem nem ao menos subir ao palco? Produzido por Robert “Mutt” Lange (lendário produtor de rock responsável pelo sucesso de bandas como AC/DC, Def Leppard e Foreigner), o segundo disco de Shania, THE WOMAN IN ME, lançado em janeiro de 1995 quebrou tabus e juntamente com a imagem sexy e modernizada da cantora mudou pra sempre a cara da música country. Whose Bed Have Your Boots Been Under?, o primeiro single do disco, irritou toda a população de Nashville. O cabelo seguia as regras, mas o decote não agradou Nashville: ela havia violado o código da cidade. O clipe se passa numa lanchonete country, automaticamente fazendo alusão a sua verdadeira “estréia” ao vivo, que foi numa lanchonete, quando ainda tinha 3 anos. Shania, toda liberal, não sabia o quão conservador era o estilo. Neste disco, ela teve liberdade pra gravar suas próprias composições, elogiadas por Mutt, que perguntou: “por que não gravou estas canções no primeiro disco?” É… por que será?
Apesar do sucesso, o disco teve muita crítica negativa no começo. Nashville se enfureceu: era muito rebolado e pouco sotaque caipira. Mostrar o umbigo no cenário country, todo provinciano e sagrado, era considerado ofensivo. Esse ar sensual definitivamente não foi bem recebido. Mas Shania quebrou esse tabu. Os críticos não souberam onde colocar a cara quando o disco chegou ao topo das paradas. Ironicamente, ela não entrou em turnê para divulgar o disco. Isso foi inédito! Afinal, como um disco tão bem sucedido não tem uma turnê de divulgação? Com isso, os críticos acharam outra oportunidade pra falar mal de Shania. Por não entrar em turnê, diziam que ela não sabia cantar, que era apenas uma cantora de estúdio e que o sucesso dela era uma mágica de estúdio de Mutt Lange. Não a levavam a sério. Se faz muito sucesso no mundo pop, logo é tachado de “marionete”, de fabricado. Muitas vezes quem chega ao topo pelo próprio esforço acaba sendo mal interpretado. Mas isso em nenhum momento impediu Shania. Any Man Of Mine, (If You’re Not in It for Love) I’m Outta Here!”, You Win My Love e No One Needs to Know são alguns dos singles do disco. Nota pessoal: If It Don’t Take Two não foi single, mas é tão forte quanto o resto do álbum. Forte, estrondosa, ribombante.
Em 4 de novembro de 1997, depois de um ano compondo, COME ON OVER, seu terceiro disco de estúdio, finalmente chegou às lojas. O álbum teve tanto sucesso que teve uma versão internacional lançada. Com uma sonoridade mais pop, world feeling. Acontece que a versão country original é única e jamais será superada. Eis o motivo: a versão pop é sem sal e mixada demais. A original é mais crua, mais rica: a bateria soa mais forte, clara, assim como os violinos. Na versão pop, os violinos são abafados e, por vezes, substituído por sintetizadores ou teclados. Nada contra, eles são muito válidos, mas pra temática do disco não caiu tão bem.
O primeiro single (na versão country) foi Love Gets Me Everytime. Teve ótima recepção e chegou ao topo das paradas country do Canadá e dos Estados Unidos. Já nos Estados Unidos, Europa e Austrália, o primeiro single foi You’re Still The One (vencedor de dois grammies por “Música Country do Ano” e “Melhor Performance Vocal Country Feminina”), que atingiu o primeiro lugar nas paradas country e pop, um recorde. Em 1998, pela primeira vez, ela embarcou numa imensa turnê de divulgação do disco. Pela primeira vez em turnê, porque de palco ela já era veterana. Com esta canção, ela quis mostrar pra mídia que o casamento dela com Mutt estava muito bem, obrigada. Isso até 2008. Em agosto deste ano, Shania se divorciou de Mutt por ele ter tido um “affair” com sua ex-secretária (e ex-amiga, claro) Marie-Anne Thiébaud.
Man! I Feel Like A Woman! venceu o Grammy de “Melhor Performance Vocal Country Feminina” em 2000. A faixa título venceu o Grammy de Melhor Canção Country em 2000. When, Honey I’m Home, From This Moment On e Don’t Be Stupid (You Know I Love You) são alguns dos singles do álbum. Nota pessoal: I Won’t Leave You Lonely não é single, mas é apaixonante. O acordeon mesclado ao slide de vidro (efeito na guitarra, típico do estilo country) dá o charme à canção. Come On Over não só é o disco feminino mais vendido de todos os tempos (cerca de 40 milhões de cópias), como é também o disco country mais vendido de todos os tempos (desculpem a repetição, eu quis mesmo enfatizar). Mais uma vez, Mutt acertou a mão na produção.
O disco seguinte, o quarto e o último de estúdio até o momento, UP! foi lançado em novembro de 2000, cheio de pompas. Quando eu digo “pompas”, são pompas mesmo. Também produzido por Mutt Lange, o disco teve uma divulgação estrondosa, além de ser lançado em três diferentes mixes: country, pop e uma versão internacional (no estilo de música indiana). Apesar de debutar em primeiro lugar nos charts da Billboard e do sucesso dos hits “UP!”, “I’m Gonna Getcha Good” e “Forever and for Always”, não foi tão poderoso como os discos anteriores. Nota pessoal: “Ain’t No Particular Way” e “C’Est La Vie” são duas das faixas mais fortes do disco e poderiam ter sido lançadas como singles. UP! teve uma turnê dinâmica e bem sucedida, assim como um concerto especial e intimista de nome “UP! Close and Personal.
Pra finalizar, como resumir o verdadeiro legado de Shania Twain? Ela converteu muita gente à música country, trouxe muitos fãs para o estilo. Foi muito desacreditada no começo, mas lutou pela sua imagem e pela sua proposta, independente do que a crítica dizia. A produção de suas músicas derrubaram o preconceito dos puritanos em relação à música country (a longo prazo, mas derrubou). Era possível ser sexy (não vulgar, não confundam) e consistente. Sua aparência e beleza, sua voz, seu umbigo (oi?!), a produção de Robert “Mutt” Lange e seu estilo único transformaram a música country para sempre. Para sempre.
PS.: Sobre vídeos… é aquela mesma história! Para se deleitar com Shania, vá até o youtube. Mas pra não me chamarem de carrasco, postarei aqui um especial produzido pela BBC, o Top of the Pops, de 1999, que vale muito a pena ser visto. Enjoy:
Texto incrível!