Björk | Personificação da arte completa 47 anos de idade

Björk… Ah, a Björk. Realmente estava demorando pra falar dela aqui na Freqüência Não Modulada. Nem sempre dá pra coincidir as colunas com as datas específicas, mas neste caso, nada mais oportuno do que falar mais sobre essa cantora… Então, não dá pra se referir a Björk só como cantora. Ela é A arte. Sou adepto do pensamento de que cada órgão do corpo dela é capaz de reproduzir um som. Ela é O próprio instrumento.

Björk Gudmundsdottir nasceu na cidade gélida de Reikjavik, capital da Islândia, em 21 de novembro de 1965. Seu nome é o mesmo de um arbusto proveniente do clima frio. Mas ao contrário do significado de seu nome, ela é quente. Ou seja: não deixe que seu rosto singelo e delicado enganem vocês. Por ter nascido numa comunidade de artistas hippies, seus pais logo a encorajaram a lapidar seus – já visíveis – talentos. Quando fez cinco anos, entrou em aulas de canto, piano e flauta. Seu padrasto era amante inveterado do rock, fissurado no som de artistas como Jimi Hendrix e Janis Joplin.

Aos 11 anos de idade, gravou, com a ajuda de seu padrasto, seu primeiro disco – seu verdadeiro “debut”, digamos assim – intitulado “Björk”. Lançado em 1977, tem canções em seu idioma nativo, incluindo versões de músicas como Fool on the Hill dos Beatles e Your Kiss is Sweet, cuja composição é de Stevie Wonder. A única canção de sua autoria presente no álbum é um instrumental de nome “Johannes Kjarval”, que se trata de uma homenagem dela para os pintores impressionistas mais famosos da Islândia. O álbum vendeu 7 mil cópias e ainda ganhou disco de platina em sua cidade natal.

Uma das características mais marcantes da Björk é o fato dela ter passado por inúmeras bandas, entrando em contato com as mais diferentes sonoridades: do jazz ao punk-rock. Praticamente uma escola de música ambulante. Em 1978 criou sua primeira banda, Exodus. 2 anos depois, ela formou o grupo Tappi Tikarrass – que incorporou em sua música elementos de funk, disco e jazz – e lançou 2 discos com eles. Foi o primeiro grande projeto da islandesa.

Depois do nascimento do primeiro filho de Björk, em 1986, ela entra na banda The Sugarcubes.  Com o estilo irreverente e uma sonoridade interessante, conseguiram fundar o próprio selo fonográfico – One Little Indian. A banda permitiu a eles fama além da Islândia. Nada de focar nas raízes: o mundo era o limite. O primeiro single, Birthday, do álbum “Life’s Too Good” roubou os holofotes da cena rock e alternativa mundial. Até foi incluído no livro “1001 discos antes de morrer”, de Robert Dimery. Em 1989, lançaram o  segundo disco, “Here, Today, Tomorrow, Next Week!” não fez tanto sucesso quanto o anterior e, aos poucos, o grupo foi se separando e Björk foi ganhando cada vez mais atenção.

Björk viajou pra Londres e sua estadia lá resultou numa colaboração dela com o grupo inglês de música eletrônica, 808 State’s. A música – Oops – foi produzida pelo britânico Nelle Hooper, produtor renomado que trabalhou com Massive Attack, Madonna (no álbum Bedtime Stories, 1994), No Doubt (no álbum Rock Steady, além de trabalhar nos álbuns solo de Gwen Stefani), U2 (no álbum How to DIsmantle an Atomic Bomb), entre outros. Depois disso, produziu junto com ele o seu disco solo de estréia, de nome “Debut”, de 1993.

O som era bem semelhante ao que fazia com os Sugarcubes: uma mistura de jazz, funk e eletrônico/house. Também tem seus momentos introspectivos com vibrafone e cordas e até harpa (Like Someone in Love, famosa canção já interpretada por Frank Sinatra, Ella Fitzgerald e John Coltrane). Com uma sonoridade bem rica, o disco foi muito aclamado no Reino Unido, vide os singles Human Behaviour e Big Time Sensuality. Além desses singles, Venus as a Boy, Play Dead e Violently Happy catapultaram Björk para o estrelato e a mantiveram lá como refém. Foi um caminho sem volta.

Em 1994, mais uma vez colaborando com Hooper, ela lançou o disco “Post”, que a consagrou pelo mundo, cultuado em toda a Europa. Soa ainda mais diversificado que o anterior:  bebe da fonte da música clássica, jazz, Broadway, techno, rap e, pasme, MPB. É harmonioso e intenso. Não dá pra definir ao certo. É um disco rico, eclético. Amante da Música Popular Brasileira e grande fã de Milton Nascimento, recrutou Eumir Deodato, ex-produtor de Milton – para arranjar 3 músicas do disco: Hyper-ballad, You’ve Been Flirting Again e Isobel. Enjoy é outro excelente momento do disco, produzido pelo rapper Tricky – dando um clima urbano ao disco. Army of Me, o primeiro single, já estreou em 10º lugar no Reino Unido. Poder. O cover dela de It’s Oh So Quiet (da cantora Betty Hutton) é o momento broadwayano do álbum, oscilando entre uma canção de ninar e vocais rasgados e poderosos. O clipe é, simplesmente, icônico. Marcante. Assim como o disco. Ela ainda levou o prêmio de Melhor Artista Feminina Internacional no Brit Music Awards.

Enquanto os dois primeiros álbuns são produções cheias de firulas (não entenda isso como algo negativo, por favor, é exatamente o contrário), pra chamar a atenção, o terceiro disco de Björk – Homogenic (1997) foi produzido com menos ferramentas. É um disco simples. Aqui o simples não é exatamente simples. Batidas distorcidas, violinos, voz. É grandioso, se for parar pra pensar. Produzido por Mark Bell, Guy Sigsworth e Markus Dravs, Homogenic é um álbum que faz referência à Islândia, à terra natal da cantora. Lembra muito as canções que ela ouvia quando criança. É como voltar pra casa, que é o lugar onde reside o coração. Björk tentou, acima de tudo, agradar a ela mesma. Ela gravou vários cd-r: foram muitas audições e levou um mês pra ordenar as faixas exatamente como ela queria. O disco não é surrealista apenas nas canções e sim na estética de modo geral: trata-se de uma viagem “interna” de Björk. E suas habilidades de canto são visíveis. Resumindo, um disco maduro. Destaque para Hunter, Alarm Call e Bachelorette.

Em 2000, Björk surge para estrelar um musical: Dançando no Escuro, do diretor dinamarquês Lars Von Trier. Nele, ele sofre mais que a Maria do Bairro e a Paulina Martins juntas. Foi tão estafante que ela prometeu nunca mais trabalhar como atriz de novo. Promessa que, nem preciso falar, ela não cumpriu (ela estrelou junto com seu atual marido, Matthew Barney, o filme “Drawing Restraint 9” em 2005). Seu personagem, Selma Jezková, compartilha sua dor com o espectador em um verdadeiro transe. Ela tenta exterminar a dor em cada som que ouve, em cada brisa que sente. Uma imigrante tcheca, amante inveterada de musicais hollywoodianos que constantemente sonha acordada e tenta, de alguma forma, transformar sua infeliz vida em um. Para ela não há nada mais estarrecedor do que o silêncio. Realmente abominável. Ela precisa de ritmo e de compasso para tornar seu cotidiano um pouco menos doloroso. É seu combustível diário. O filme foi premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes e Björk recebeu o galardão de Melhor Atriz no mesmo festival. Vale a pena a assistida. E a trilha, intitulada “Selmasongs”, a cargo da própria, é incrível. Destaque para “I’ve Seen It All”, com participação de Thom Yorke, que foi indicada ao Oscar de Melhor Canção Original em 2001.

O disco seguinte, “Vespertine”, lançado em 2001, possui uma sonoridade suave e também densa. Se baseia num universo lúdico e onírico, entre o sonho infantil e o sonho angustiado dos amores inseguros. Ao contrário do “Homogenic”, que soa extrovertido e agressivo, o Vespertine é privado, íntimo com uma dimensão mágica. O símbolo dele é um cisne (escolhido pela própria Björk), que representa a elegância, a timidez, a doçura, o vulnerável, o delicado. É um disco mais feminino em relação ao anterior. O “Homogenic” corta com precisão. “O ‘Vespertine’ é como uma fantasia da Disney, disse a cantora. Destaque para Pagan Poetry, Aurora e Hidden Place.

Em 2004, Björk resolveu inovar e lançou o “Medulla”, álbum que a única fonte sonora é a voz humana. Coros provenientes da Islândia e outros colaboradores como a artista vocal japonesa Dokaka e o beatboxer Rahzel participaram do disco, que demorou um ano e meio para ser produzido. É um álbum muito particular, que varia entre o passado e o futuro; o moderno e o arcaico. Trata-se de uma mistura eclética de música folk, techno, erudita contemporânea e até canto tirolês. Na faixa “Ancestors” ela canta apenas com a garganta, resultando numa performance um tanto macabra, mas bela. Em Vökuró, ela revisita a Islândia. Um disco, sem sombra de dúvidas, inovador e muito bem recebido pela crítica.

2007: Björk vai atrás de novos desafios. Ela finalmente resolve trabalhar com música africana e supera suas expecatativas: é lançado o disco “Volta”, onde ela trabalhou com Timbaland (sem deixar de se caracterizar, como eu disse há uns textos atrás, para felicidade dos fãs), Mark Bell, entre outros produtores – mais de 15 envolvidos! Dentre eles,  o grupo Konono, com seus imponentes tambores, que junto com Timbaland produziu o primeiro single do disco: a enérgica “Earth Intruders”. Sério, a faixa é tão boa que nem parece que foi produzida pelo Timbaland (visto que ele é conhecido pela sua produção convencional, feita pra ser “hit”, se é que me entendem). “Hope” fala sobre o terrorismo e “Declare Independence”, segundo single do álbum, encoraja os ouvintes a se imporem e gritarem pela liberdade. A gravadora One Little Indian botou muita fé no disco, dizendo ser o mais popular da cantora, esperando que esse comentário refletisse na venda do disco. No mais, é um disco “normal” pros padrões Björk, mas claro, com seus momentos especiais.

Depois de 4 anos sem lançar um disco de inéditas, Björk voltou à ativa com “Biophilia” (2011) e resolveu lançar este disco de uma maneira bem criativa, que nenhum outro artista sequer imaginou: cada faixa do álbum lançada como um aplicativo para iPad. São dez aplicativos individuais que proporcionam ao ouvinte uma interação muito além da música. Por exemplo, a música/aplicativo “Virus” traz uma demonstração de como funciona o ataque do vírus às demais células de outros organismos. “É como se fosse a história de amor entre o vírus e a célula. O vírus ama tanto a célula que acaba a destruindo”, disse Scott Snibbe, um dos responsáveis pelo projeto. Crystalline, o primeiro single do disco, teve seu clipe dirigido por Michel Gondry, que já trabalhou com ela nos clipes de Human Behaviour e Jóga. Biophilia representa o ser humano entrando em contato com  cosmo universal.

Ih, se fosse falar exatamente toda as propostas de Björk de cada disco, de cada single, de cada clipe, você, leitor, não sairia mais daqui. Björk é definitivamente uma artista conceitual. Nada é lançado por acaso ou para tapar algum buraco. Cogitar isso dela é, no mínimo, uma heresia. Seu trabalho é puramente artístico: ou gosta ou não gosta. É simples assim. Muitas pessoas podem ouvir e dormir, por exemplo. Tudo é uma questão de ouvido. Quem é acostumado à música convencional, que toca na rádio, feita pra “hittar”, provavelmente não vai se surpreender e, automaticamente, vai mudar a estação. Acontece que a música nem sempre deve ser levada só na diversão: às vezes é preciso refletir e encarar a música como um quadro: como uma obra de arte. Em outras palavras: a sério. E Björk precisa ser levada a sério. Soa exagerado? Não foi minha intenção. Ela é clássica, ela é vanguarda, ela é pop.

PS.: Coluna já é imensa. Se for postar cada vídeo de cada single citado… sdds tempo. Então já sabem: www.youtube.com. Abraços.

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