Serge Gainsbourg: cantor, compositor, romancista, fotógrafo, diretor, artista, intelectual, bêbado, fumante, erótico, provocador, conquistador e, acima de tudo, polêmico.
Este poderia muito bem ser um post especial sobre Serge Gainsbourg. Não deixa de ser. Mas como é um assunto realmente especial, preferi dividir em dois posts, sendo este apenas uma introdução à carreira rica e influente deste ícone. O post seguinte tem previsão de ser postado em março, no começo do mês, pra coincidir com a data de aniversário da morte de Gainsbourg.
Quando falamos de Serge Gainsbourg, qual a primeira coisa que lhe vem à cabeça? Claro que a música-mais-conhecida-dele-nas-Américas Je T’Aime… Moi Non Plus. Apesar das polêmicas, da genialidade sem tamanho e de ter dado um senhor upgrade na música pop francesa, ele sofria uma espécie de carma, que o impediu de alcançar um patamar mais alto na música mundial: ser francês.
Os ingleses tinham uma espécie de preconceito com a música pop francesa. Não adiantava: o mercado internacional da música era dominado pelos países de língua inglesa. Beatles e Rolling Stones, por exemplo. Ainda assim, Gainsbourg influenciou inúmeros artistas ingleses e americanos como o cantor Beck e a banda britânica de música eletrônica Goldfrapp. É possível enxergar e ouvir um pouco de Gainsbourg em cada um desses artistas atuais.
Ainda criança, Gainsbourg tinha uma veia artística bem intensa, o que contribuiu imensamente à sua carreira na música. Se envolveu com pintura (seu pintor favorito era Francis Bacon) e arquitetura, mas foi na música que ele se encontrou. A musicalidade (e o bom gosto para mulheres) sempre foi a marca registrada dele. Assim sendo, o assunto central da coluna é o que nos faz lembrar dele logo de cara: a famosa canção Je T’Aime… Moi Non Plus (Eu Te Amo… Eu Também Não), que foi banida pela BBC e fez o Vaticano torcer o nariz pelo conteúdo impróprio.
O título da canção foi inspirado por algo que Salvador Dalí disse uma vez: “Picasso é espanhol – eu também. Picasso é um gênio – eu também. Picasso é um comunista – eu também não (moi non plus)”. Escrita originalmente para Brigitte Bardot, com quem teve um tórrido caso de amor no final de 1967, a canção foi gravada pelo casal num estúdio em Paris, numa sessão de duas horas, numa pequena cabine de vidro. Porém, a pedido de Bardot, a canção não foi lançada, devido ao fato do marido dela, o empresário Gunter Sachs, não ter gostado nada do que ouviu. Outras bocas disseram que a canção não foi liberada por causa dos protestos dos representantes da atriz, que ficaram preocupados com a imagem dela. Se arrependimento matasse… Bardot estaria a sete palmos, com certeza. Ouça abaixo a versão de Bardot:
Em 1968, Gainsbourg se apaixonou por Jane Birkin, atriz inglesa 18 anos mais jovem do que ele. Aparentemente, isso não pareceu ser nenhum problema. Então, o cantor pediu para ela gravar “Je T’Aime” com ele. A melodia? Um riff de guitarra como base e um órgão hipnótico ao fundo juntamente com os gemidos orgasmáticos de Jane Birkin, num diálogo de um casal de amantes durante um encontro sexual. O chefe da gravadora hesitou em lançar, com medo de ir pra cadeia (por motivos óbvios). Ele pediu pra Serge voltar pra Londres e preparar mais dez músicas para lançar um LP. Lançado em fevereiro de 1969, o single de Je T’Aime… Moi Non Plus tinha uma capa simples com os dizeres: “Interdit aux moins de 21 ans” (Proibido para menores de 21 anos).
Era realmente possível uma música ser provocativa e, ao mesmo tempo, bela? Tá bom que era conhecida como “música de motel”, mas até aí… Ninguém na França tinha ido tão longe com uma gravação deste naipe. Ninguém havia sido tão corajoso. A imprensa especulava que o casal havia colocado um gravador debaixo da cama. Serge respondia: “Ainda bem que não, pois do contrário acho que teria sido um LP”. Convencido: sim ou com certeza? Para Jane, a sessão de gravação foi um martírio. A cabine parecia de telefone. “Antigamente, quando você ia gravar, só fazia duas gravações. Serge ficava levantando a mão – porque tinha muito medo de que eu continuasse com aqueles gemidos e sussuros dois segundos a mais do que deveria, e talvez perdesse a nota mais alta – que era muito, muito alta, uma oitava mais alta do que na gravação com Bardot”, disse ela. Ouça abaixo a versão de Jane:
Na opinião de Serge (e da maioria dos fãs), a versão com Birkin é melhor, justamente por ser técnica. Diferente da de Bardot, que é mais sublime. “É como sexo: se você faz com ardor, você faz mal; com técnica, você faz melhor”, afirmou. A música estourou em toda a Europa, atingiu o primeiro lugar em vendas no Reino Unido, porém foi censurada na Itália, Polônia, Suécia, entre outros países. O chefe da Phonogram na Itália foi preso e excomungado. Na América do Sul, ficaram sabendo do disco pelo jornal do Vaticano. E como ele foi reintroduzido na Itália? Às escondidas, dentro dos discos da Maria Callas, famosa cantora de ópera. Ora vejam vocês… Aos poucos, a canção foi subindo nas paradas inglesas até atingir o topo em outubro de 1969, ficando por lá durante 34 semanas. Foi o primeiro single em língua estrangeira a conseguir tal feito. Já nos Estados Unidos, o máximo que conseguiu chegar foi no 58º lugar. E só em 1986, arrependida, que Brigitte Bardot resolve lançar sua versão.
Je T’Aime… Moi Non Plus teve inúmeros covers, sendo os primeiros apenas instrumentais, como por exemplo, Love at First Sight, de Sounds Nice. Em 1978, Donna Summer lançou uma versão disco de 15 minutos produzida por Giorgio Moroder. Em 1986, foi a vez dos atores Gordon Kaye e Vicki Michelle, da série de TV Allo Allo gravarem sua versão da canção. Em 1997, Nick Cave e Anita Lane gravaram uma linda versão em inglês – I Love You (Nor Do I). Em 1998, os Pet Shop Boys fizeram uma versão bem futurista da canção. Madonna, em sua MDNA Tour, num pocket show em Paris, cantou ao vivo sua versão para “Je T’Aime”, arrancando suspiros da platéia. Estes são apenas alguns exemplos. Confira abaixo os covers citados:
Anita Lane
Pet Shop Boys
Sounds Nice
Donna Summer
Madonna
Só Serge Gainsbourg junto com Brigitte Bardot/Jane Birkin para fazer uma música tão a frente de seu tempo. Corajosa, imponente, interessante. Uma música que não hesita expressar seus desejos. Ah, a França na música… É um país onde realmente o “sangue corre nas veias”, se é que me entendem, hehe. Oh ok. Nada soa inexpressivo lá. É um país que preza pela sua arte em todos os sentidos.
Essa foi uma singela apresentação ao tema “Serge Gainsbourg”, à carreira deste músico tão especial. Sua música não tem idade e não dá pra ser ignorada.
Bela introdução ao eterno romântico Serge Gainsbourg! Obrigado!!!
Tão deliciosa esta canção, que a pus em uma montagem teatral minha. Valeu!