Era uma vez uma promísc… digo, uma promissora jovem de 19 anos chamada Madonna (não, não é nome artístico) que percorria as ruas de Nova York sozinha e com pouquíssimo dinheiro no bolso, 35 dólares, correndo com todas as suas forças atrás de um holofote que refletisse toda a sua ânsia (singela, a princípio) de dominar o mundo.
Christopher Flynn, professor e mentor de Madonna, havia a encorajado a abandonar a faculdade de dança na Universidade de Michigan, faltando pouco pra acabar. Sabia que ela tinha muito mais a conquistar e não ficar na sombra de uma companhia de dança, por mais influente que fosse. E então ela chegou em Nova York com pouco dinheiro no bolso, mas muita ambição. Não era fácil sobreviver naquela Nova York suja, com uma dieta a base de pipoca e yogurt. Até como garçonete na Dunkin’ Donuts ela trabalhou. Sem esquecer de citar que ela também posava nua para pintores e fotógrafos. Ela pegava peças de roupa e acessórios emprestados de amigos pra montar um próprio look. Quem diria que o look seria copiado por gerações de meninas (e meninos também, néam).
Apesar de ter integrado grupos de dança de Alvin Ailey e Martha Graham (grande nome da dança contemporânea), ela percebeu que queria realizar algo na música. Foi aí que resolveu aprender violão e retomar as aulas de piano. Então ela pedia para todo DJ em Nova York tocar suas fitas nas boates. Suas performances em clubes locais eram entusiasmantes. Ao apresentar um remix de “Everybody”, seu primeiro single, ela finalmente conseguiu um contrato com a Sire, selo da Warner Music. Ironicamente, a crítica chamou o álbum de “disco para fazer aeróbica”, além de não colocar fé no futuro da jovem Madonna. Bem, o resto é história.
Madonna Veronica Louise Ciccone a.k.a bailarina, cantora, atriz, diretora, empresária, performer, ícone pop, transgressora, coerente, inteligente, a cara da polêmica e, acima de tudo, rainha do pop, completou 54 anos de idade nesta quinta 16. É, como vocês perceberam, não dá pra definir Madonna só como cantora pop. O verbo pode até estar no passado, mas Madonna continua tão presente quanto nunca. Ela pode não vender ou emplacar singles no topo da Billboard como as cantoras boazudas atuais, mas existe e continua incomodando pelo seu atrevimento e senso de humor afiado.
Diferente dessa geração pop atual, que parece conseguir as coisas com um rebolado, digo… com um piscar de olhos, Madonna nem sempre teve tudo nas mãos, fato este que torna sua história muito mais rica e sua carreira bem sucedida cada vez mais justificada. Nada de ser descoberta por um grande magnata/empresário de gravadora ou programas de calouros: o interessante na carreira dela é o fato dela ter conseguido tudo isso com o próprio suor, numa época onde não existia youtube e muito menos programas de calouros.
Além de tudo isso que foi citado acima, ela é uma verdadeira mulher de negócios, que controla sua carreira como nenhuma outra. Ela sabia que um escândalo venderia tanto quanto qualquer álbum lançado. Em Like A Prayer (1989), ela beija um santo negro e aparece entre cruzes flamejantes. Na turnê Blonde Ambition (1990), ela simula masturbação. No disco Erotica (1992), debatia um assunto perigoso de se falar nos Estados Unidos naquela época conservadora onde a falta de informação era gritante: AIDS, além da aceitação em relação à própria sexualidade. Em 2003, com o disco American Life, criticava de peito aberto o governo Bush. Na Confessions Tour (2006), ela se crucifica numa cruz de espelhos para chamar a atenção para a pobreza e a fome na África. Como dito acima, a cara da polêmica. São apenas alguns exemplos, mas tem muito mais de onde vieram estes.
Durante sua carreira, sempre lutou contra a hipocrisia e o preconceito. No nicho homossexual, ela não era apenas vista como uma artista, mas como uma mártir. Em entrevista à revista Veja na era Erotica, ela declarou: “A verdadeira obscenidade existe e está diante de nossos olhos. É o racismo, a discriminação sexual, o ódio, a ignorância, a miséria. Tem coisa mais obscena que a guerra? E ainda ficam dando importância ao sexo. Quem diz que acha sexo feio é nada mais que hipócrita”.
Amada ou odiada, a força que o nome dela tem no cenário fonográfico (esse é só um dos 1001 espaços onde a influência dela é notada) é indiscutível. São muitas facetas, muitas arestas para se discutir. Pode ter certeza que um desses lados já deixou muita gente incomodada, sejam eles anônimos ou até mesmo gente famosa (Elton John que o diga). Em seu trabalho, a arte fala mais alto. Nenhuma performance ou até mesmo uma escolha de roupa acontecem por acaso: as coisas se interligam, tem um conceito.
Falemos agora dos discos. A responsabilidade e a pressão do disco seguinte pesa e muito. Não pesou tanto pra Madonna. Com a sonoridade inconfundível dos anos 80 (sintetizadores, flertes com a música negra) e produzido pelo lendário Nile Rodgers, o lançamento do segundo disco, Like A Virgin (1984), foi adiado devido ao sucesso do disco de estréia. O primeiro single, faixa título, foi um estouro e com ele Madonna mostrou a que veio. A música foi performada em 1984 no MTV Music Awards, onde Madonna saía de um bolo gigante vestida de noiva, rolando pelo chão e mostrando a cinta-liga, contrastando entre a pureza e a luxúria. Material Girl, o single seguinte, traz uma Madonna fantasiada de Marilyn Monroe no filme “Os Homens Preferem as Loiras”, numa sátira, mostrando que dinheiro não traz a verdadeira felicidades. Into The Groove, Crazy for You e Gambler foram outros sucessos do álbum.
Em junho de 1986, Madonna lança True Blue. Este, seu terceiro disco de estúdio, a coloca no mesmo patamar que Michael Jackson e Prince no quesito vendas e originalidade. True Blue ficou em 1º lugar em 22 países, recorde que seria quebrado por Jackson no lançamento do Bad (1987). O disco que fez Madonna deslanchar para a sucesso. Agora não tinha mais volta. Quem foi que deu apenas um verão de sucesso pra ela no primeiro disco? “Ah, logo logo passa”. Quem? Quem? Quem? Papa Don’t Preach, Open Your Heart, Live To Tell, La Isla Bonita são alguns hits deste disco.
Agora vamos falar da plenitude artística de Madonna: Like A Prayer (1989): o que pop pode chegar mais perto da arte. A sonoridade Like A Virgin/True Blue ficou pra trás e o disco acabou se levando pra um rumo bem diferente. M deixou o dance um pouco de lado e partiu para o soul, funk, r&b dos anos 60. Sax, as linhas de baixo maravilhosas, arranjos de corda (no momento propício). Patrick Leonard, volte a produzí-la, por favor. Promise to Try e Cherish dizem por si só que, depois da tristeza, vem a alegria. As letras profundas, pessoais, maduras de uma mulher que tinha passado por poucas e boas e ainda tinha que duelar com seus demônios passados, sequelas de uma ferida não completamente curada (a morte da mãe, devastada pelo câncer de mama – ouça Promise to Try). Obra prima do pop, metodicamente concebida. Não lembro onde foi que eu li, mas faz todo sentido sobre o Like A Prayer: a maturidade nunca soou tão divertida.
Depois da sexualidade explorada com fervor no Erotica, em 1994 ela veio com Bedtime Stories, um disco R&B suave e romântico com produção de “gente grande”: Dallas Austin, Babyface e Dave Hall. Em Survival, ela diz que sobreviveu a todas as críticas da mídia; Secret é uma balada poderosa que inundou as rádios do mundo todo. Em Human Nature, ela volta com o assunto críticas ao seu comportamento inadequado. Oops, não sabia que não podia falar de sexo! Ao lançar Take A Bow, Madonna fez Whitney Houston chorar rios por ter tirado I Will Always Love You do topo do Hot 100 da Billboard. Com este single, ela provou que podia interpretar, com maestria, Eva Perón, na adaptação de Evita para o cinema. Ela treinou os vocais incansavelmente e atingiu, finalmente, as notas que achou que não atingiria. E assim, veio o Globo de Ouro de Melhor Atriz.
Ano de 1998. Madonna chega mais madura, espiritualizada e, acima de tudo, mãe com Ray of Light. A voz pós-musical Evita, mais trabalhada e limpa, deu ao disco um toque de mestre. O trabalho destaca-se pela genialidade do produtor William Orbit, também responsáveis por grandes remixes como Justify My Love e Erotica. O álbum foi concebido num momento inspirado. Profundo, poético, inovador e inteligente. Composições elegantes refletiram o hábito voraz de leitura de Madonna como sonetos de Shakespeare. Patrick Leonard, produtor dos álbuns True Blue (1986) e Like A Prayer (1989), produziu quatro das faixas do álbum: Sky Fits Heaven, Frozen, The Power Of Goodbye e To Have And Not To Hold. A faixa que abre o álbum, Drowned World/Substitute For Love, Madonna reflete sobre o desejo compulsivo pela fama e como tudo pode se tornar passageiro na vida, levando-a um vazio imenso. Na relaxante faixa Swim, ela mergulha em águas metafóricas para lavar seus pecados. A faixa título, Ray Of Light, número 1 na Billboard, é ligada a 220V. Um ritmo acelerado e ácido com sintetizadores incríveis fazem como que se ela estivesse sendo levada a outras dimensões sem sair do lugar. Nothing Really Matters é uma autocrítica, refletindo sobre o egoísmo e por celebrar o fato de ser mãe. Frozen, o primeiro single de divulgação do álbum que chegou ao 2º lugar das paradas na revista Billboard, é sombria e melodicamente incrível. The Power of Goodbye é, poeticamente, uma história de um fim de um relacionamento amoroso, onde não tem mais pra onde caminhar. O álbum ganhou 4 prêmios Grammy, incluindo Melhor Álbum Pop. Ray of Light é uma mensagem de paz e felicidade interior.
No álbum seguinte, ela poderia se manter calma, afinal pra que mexer no time que está ganhando, certo? Errado. Em Music (2000), a sonoridade ferve. Impossível não se impressionar com Don’t Tell Me, What It Feels Like For a Girl e, claro, o carro-chefe #1 na Billboard, Music. Sem se esquecer do cover belíssimo de American Pie (originalmente cantada por Don McLean), Amazing, Paradise e Nobody’s Perfect dão o charme. Depois de dizer numa entrevista que NUNCA usaria botas de cowboy por achar cafona, adivinhem o personagem que ela encarna na capa do disco? Pois é. Depois das vacas magras do American Life (2003), pelo tema “política” e crítica ao governo Bush, Madonna voltou às pistas de dança, enfeitadas com globos de espelho e toda aquela vibe disco music que fez o mundo dançar sem pausas. Confessions on a Dance Floor (2005) foi o comeback digno que trouxe singles chicletes como Hung Up, Sorry, Get Together e Jump, além da Confessions Tour, que foi um estrondo. Em 2008, Madonna lançou Hard Candy, com uma pegada assim digamos… black. Diferente de tudo o que ela já fez, é bem igual ao que os americanos tanto consomem: R&B a la Nelly Furtado, Mariah Carey, Beyoncé e etc. Produzido por Timbaland, Pharrell Williams e Justin Timberlake, o álbum traz bons momentos como 4 Minutes (dueto com Justin Timberlake), Miles Away e Beat Goes On. Foi nesse ano de 2008 que Madonna entrou pro Rock n Roll Hall of Fame, estando no mesmo patamar de ícones como David Bowie, AC/DC, The Clash, Led Zeppelin e etc.
Atualmente, Madonna está em turnê divulgando o novo álbum MDNA (2012), que virá ao Brasil em dezembro deste ano. Em MDNA, ela se autorevisita, como uma retrospectiva de seus 30 anos de carreira. MDNA é rápido e dinâmico. A primeira ouvida, você pode estranhar o álbum, por ter faixas bem distintas umas das outras. Quando menos esperamos, chega na faixa 10. Tem seus momentos house/electropop na primeira parte. Give Me All Your Luvin’, o primeiro single produzido por Martin Solveig, tem um instrumental retrô 80’s e destoa completamente do restante do disco, mas ainda assim ela se destaca e é uma faixa especial. Girl Gone Wild, segundo single, é bem genérica, mas depois de analisado seu conceito, acaba percebendo que a escolha foi sábia. O clipe faz referência aos trabalhos antigos e mais “sexuais” da Madonna, como Erotica e Human Nature.
O que seria apenas uma introdução singela e rápida, acabou sendo um resumão de homenagem a Madonna. Obviamente tem muito mais a ser descoberto sobre a intensa carreira deste ícone. Por confrontar aquilo que ela abomina, por ser tão atrevida e por fazer o que acha que deve ser feito, é que ela chegou onde chegou. Sua história é tão intensa que parece de mentira. Cada álbum lançado, cada videoclipe exibido não deixa nenhuma margem de dúvida quanto ao comprometimento e pela ânsia pelo topo, sempre. Hits como Holiday, Open your Heart, Express Yourself e Vogue são atemporais e definiram a cara do pop. Chart nenhum mede o que ela fez pela música pop. Nenhum, eu disse.
Assista abaixo os hits citados acima. E se conhece pouco da Madonna, essa é a hora pra aprofundar. E, claro, vida longa à rainha:
"nos Estados Unidos naquela época conservadora onde a falta de informação era gritante"
infelizmente a frase se aplica atualmente =/
muito bom o artigo!