A Cia Guerreiro, que já encenou vários espetáculos de Nelson Rodrigues, como 7 Gatinhos, Dorotéia, Senhora dos Afogados e Anjo Negro, participa do projeto “A Gosto de Nelson” – comemoração ao centenário do autor, um dos nossos maiores dramaturgos – apresentando o espetáculo Álbum de Família no Teatro do SESI Jacarepaguá, em 18 de agosto, sábado.
Vencedora do prêmio de melhor espetáculo no Festival de Teatro do Rio em 2011, a montagem, que foi também apresentada em temporada no Teatro Solar, em 2008, tem direção de Jorge Farjalla, diretor da Cia Guerreiro, que também atua no espetáculo, dando novas cores e signos ao texto de 1945 que iniciaria o ciclo conhecido como “teatro desagradável” de Nelson.
Com 67 anos de existência – e 20 de censura – seu teor explica a constante revisitação à obra do “escritor maldito”. Em meio à dita liberdade do século XXl, a observação das profundenzas da alma humana, desnudando suas vísceras, assim como na obra de Luis Buñuel e Pier Paolo Pasolini, permanece latente e ganhando novos contornos. “Nelson é nosso espelho; nossa realidade até hoje”, diz Farjalla.
O enredo denso, repleto de incestos, violência, desafetos, sensualidade, amor e ódio de Álbum de Família traz à tona a hipocrisia e desejos secretos da sociedade pela história de uma família que vive, de forma abastada, em uma fazenda no interior de Minas no começo do século XX e aos poucos vai revelando sentimentos e atrações sexuais pervertidas e incestuosas em cenas de violência e perversão sexual.
O tango Fuga y Misterio, de Astor Piazzolla, somado ao som de chuva e trovões, abre o montagem, mostrando um conturbado meio familiar, permeado por diversos mitos e conceitos freudianos, como os complexos de Édipo e Electra, que envolvem a maioria das personagens. Todos desejam além e vão ao extremo para conseguir o que querem.
Jonas, o patriarca, ao casar-se com Senhorinha, sua prima em primeiro grau, gera quatro filhos, três homens e uma mulher. Glória, a filha, amada pelo pai e odiada pela mãe, volta para a casa após ser expulsa do internato por se envolver amorosamente com uma colega de quarto. Já os três filhos homens nutrem ódio pelo pai, de quem herdaram um desejo incontrolável. São eles: Guilherme, o primogênito, que regressa do seminário onde se internou na tentativa de fugir de seus impulsos; Edmundo, que também retorna à família após se separar de sua esposa; e Nonô, o filho louco que ronda a casa todo nu como um possesso. Jonas, levado por seus impulsos, violenta adolescentes virgens que são trazidas por sua cunhada Rute, irmã mais velha de Senhorinha. No texto original a personagem Totinha (mulher grávida) não aparece em cena, suas falas são ditas da coxia, mas nessa encenação esta personagem, juntamente com Nonô, dita a tensão entre os membros da família.
Um corredor de terra vermelha predomina no cenário, com tapadeiras que lembram papel de parede, um sofá velho, e ainda um pequeno oratório, uma imagem de Jesus Cristo e outra da Santa Ceia aparece para reforçar a ligação familiar com a igreja católica e seus dogmas, revelando o profano e o sagrado existentes na obra. Uma atmosfera perdida no tempo, em algum lugar, onde a terra tem o significado de útero e também de sepultamento. O ritual do banho é outro destaque. Todos os membros da família, quando entram em cena, tomam banho, mas ficam cada vez mais sujos, simbolizando assim a podridão da família: quanto mais banhos tomam, mais sujos ficam.
Nos figurinos assinados por Rogério França, inspirados na década de 1920, tons de preto se misturam à terra vermelha, dando forma à decadência, em meio à iluminação calcada em luz e sombras, ou em focos de luz a pino que desfiguram as feições dos personagens. Jorge Farjalla assina tanto a iluminação como o cenário.
As sensações de conforto e desconforto, quente e frio, claro e escuro são emolduradas por canções de Cartola. Cantadas por ele mesmo, a delicadeza de As Rosas Não Falam, Esquece o Nosso Amor, Alvorada e O Mundo é um Moinho, contrastam com o universo agressivo do espetáculo, denunciando as aflições das entranhas de cada personagem.
Texto: Nelson Rodrigues
Direção, encenação, cenografia e iluminação: Jorge Farjalla
Local: Teatro SESI Jacarepaguá
Endereço: Av. Geremário Dantas, 940 – Freguesia – Jacarepaguá – RJ
Data: 18 de agosto, sábado – única apresentação
Horário: 21hs
Preço: R$ 5,00 e R$ 2,50
Classificação: 16 anos
Duração: 80min.
*As informações são de responsabilidade de seus organizadores e estão sujeitas a alterações sem aviso prévio.