Crítica – Cisne Negro (Black Swan)

Por Felippe Alves.

“Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky é o pano de fundo de mais um esplendoroso filme do diretor Darren Aronofsky. Conhecido por utilizar a superação de limites como tema central de suas produções, Cisne Negro (Black Swan, 2010), estrelado por Natalie Portman (vencedora do Oscar de Melhor Atriz), trata-se exatamente disso. A sedução da dança mescla-se com o medo e a pressão psicológica na ânsia pela perfeição absoluta.

Portman interpreta Nina Sayers, uma dedicada e introspectiva bailarina do New York City Ballet que vive unicamente para a dança. Mora com a mãe super protetora Erica (Barbara Hershey) que a trata como uma garota de cinco anos prendendo-a numa redoma de vidro. Uma característica visível quanto a isso é o quarto dela repleto de ursos de pelúcia e o uso abusivo do rosa bebê nas paredes. Assim como a bailarina que gira incessante na caixinha de música sobre o criado mudo, o cérebro de Nina também não vai parar de girar devido às visões perturbadoras que colocarão a sua sanidade mental a prova.

Para começar a nova temporada, o diretor da companhia de balé Thomas Leroy (Vincent Cassel) começa os ensaios para sua nova versão do Lago dos Cisnes, mais crua e real. Assim como George Balanchine, co-fundador do Ballet de Nova York, Leroy associa a sexualidade com a dança e a usa como guia para os dançarinos. Ele aposentou a estrela Beth Macintyre (Winona Ryder) e procura por uma bailarina capaz de interpretar a fragilidade e a inocência do cisne branco e, ao mesmo tempo, a sensualidade e a fúria do gêmeo cisne negro. Sensível e compenetrada, Nina busca a perfeição milimétrica a cada passo. É naturalmente o gêmeo oposto, nas palavras de Leroy. Ao final de um dia difícil na companhia de dança, ao ir embora, Nina vê seu doppelgänger: uma espécie de sósia fantasmagórico que se confunde com a própria personalidade. Depois de tentar convencer o diretor que é perfeita para ambos os cisnes, por motivos que nem ela entende de fato, ela consegue o papel principal.

Com a chegada da californiana, bronzeada e sensual Lily (Mila Kunis), o inferno psicológico de Nina começa: ela passa a ter alucinações, a ouvir vozes e achar que está sendo perseguida e que perderá o papel para a novata. A paranóia de não fazer a coisa certa a impulsiona a buscar ainda mais a perfeição e então ela perde a capacidade de distinguir o que é ou não é real. O ápice da paranóia é quando Nina se enxerga no corpo de Lily e quando as mudanças em seu corpo se tornam cada vez mais evidentes. Nina se absteve de muitas coisas para que ela atingisse o êxito na personificação do cisne negro: jogou fora seus ursos de pelúcia, se impôs mais em relação a mãe sem esconder sua opinião, além de chegar em casa tarde da noite depois da balada com Lily e exigir privacidade.

Natalie Portman, como Nina.
Natalie Portman, como Nina.

A metamorfose se deu muito rapidamente:  com o passar do tempo ela se mostra mais imponente e não esconde o que sente. Na noite da grande estréia, ainda no começo da performance, o bailarino a derruba no chão. Pela primeira vez, ela não está pedindo desculpas nem se calando diante de uma situação. A queda aqui seria interpretada como uma sombra, um adeus definitivo ao seu lado casto, ao medo ainda não esvaído completamente. Isso é claramente notável em seu tom de voz “infantil” inseguro ao encontrar Lily se maquiando com a roupa do cisne negro no camarim. Então ela duela com seu interior e marca seu território. Então a transição se finalmente se completa: a nova Nina surge no palco completamente transformada no seu oposto com passos furiosos e olhos penetrantes.

No final do último ato, depois de retomar sua alvura anterior, se suicida por ter perdido seu amor para sua irmã gêmea. A dor física que ela sentia não tirou o orgulho, a sensação de missão cumprida. Por fim, ela realmente entendeu a magnitude do papel. Se sentiu, em seu íntimo, perfeita. E nada mais importava. Outro ponto interessante: muitos dos sangramentos constantes se dão nas unhas de Nina. Mais uma alusão ao cisne que, como as demais aves, tem veias na região das unhas.

Além da superação de limites, o longa mostra também a dualidade do ser humano partindo da premissa de que o bem e o mal existem no mesmo corpo. Ninguém está a salvo do seu lado sombrio. A metamorfose para o cisne negro representa a dor, a disputa interior pela perfeição. Custa caro e os efeitos são fatais. Depois de assistir Cisne Negro, você jamais ouvirá o Lago dos Cisnes da mesma maneira.

  • Comentário pessoal: Ótima trilha sonora de Clint Mansell, parceiro e amigo de longa data de Aronofsky, também responsável pela trilha de Pi (1998), Requiem Para Um Sonho (2000), Fonte da Vida (2006) e O Lutador (2008). A trilha de Cisne Negro mistura o clássico com o moderno: a adaptação do Lago dos Cisnes com elementos eletrônicos sem perder a essência da composição clássica original de Tchaikovsky.


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