Nas origens de nossa cultura ocidental na Grécia Clássica, o filósofo Heráclito de Éfeso eternizou a imagem da água como a força de movimento e devir do pensamento. “Ninguém se banha nas águas de um mesmo rio duas vezes”. Desde então, a sentença filosófica evoca um duplo espelho do homem, sua condição de finitude e desejo pela infinitude.
As mesmas águas que correm devorando o tempo, como uma vida clamando por mudança e perecimento, abrem espaços poéticos para a criação artística, e conferem sentido à vida, como o desejo de mergulhar nas profundezas de um rio, metáfora da memória. Quem nunca devaneou sobre o passado ao ver o movimento das águas?
Entre o corpo de carne do homem, com suor e lágrimas, e o corpo de terra da natureza, a água torna-se uma espécie de segunda pele, simbiose da vida que acontece no tempo biológico e social do nascer, viver e morrer, e de uma duração – eterna – conhecida como tempo da criação. As convergências destes dois tempos podem ser conferidas na mostra “Eflúvio”, que apresenta parte do processo de pesquisa do artista visual Jorge Feitosa.
Em diálogo com a série do Guarapiranga, “Eflúvio” apresenta, ainda, duas outras obras de pesquisa do artista. A primeira, uma série com 20 fotografias impressas no formato 25x38cm, foi realizada neste ano no lago Michigan (Chicago/Illinois/EUA). A segunda, um vídeo com 14”, mostra um gotejamento incessante, que possibilita o sentir – a partir de uma lei física – a criação de um espaço sonoro, no qual a queda da gota transforma-se em melodia.
Nascido na cidade de Porto Velho (RO), Feitosa teve a infância plenamente marcada pelo rio Madeira, que margeava a casa dos avós. Em sua imaginação de menino, a melodia e a sonoridade das águas do rio despertavam os sentidos, transformando a água num dos primeiros espaços de devaneios de suas criações.
Se “(…) imagens tão grandiosas marcam para sempre o inconsciente que as ama” (Bachelard, 1997), foi em 1987 que ampliou o desejo de conhecer o mar, e, com ele, a curiosidade em ouvir a autêntica sonoridade das ondas. Longe de sua geografia natal, na mesma época, na cidade de São Paulo, ao iniciar a sua trajetória como artista, percebeu a necessidade do distanciamento de suas raízes como ponto de partida para a reflexão no fazer artístico, no qual as memórias do corpo dos tempos da infância ressurgem na atualidade de um corpo outro que habita o espaço urbano. Como um rio em constante fluxo, a sua obra aborda, desde então, nas palavras do próprio artista, a existência de uma “natureza que está em nós”, como questionamento da racionalidade humana.
A primeira série da pesquisa, composta de 14 (quatorze) imagens, surgiu em 2012 quando fotografou as águas da Represa do Guarapiranga, em São Paulo. A partir deste trabalho, as fotos receberam a interferência artística, por meio de manipulação digital, aproximando-se da pintura. Como nas imagens do inconsciente e dos sonhos que as águas despertam na imaginação humana, Feitosa trabalhou cada imagem, criando sobreposições de camadas, que possibilitam o desdobramento de novas poéticas. O processo será exposto em projeção digital, com trilha sonora criada pelo artista plástico e músico Marcus Vinicius.
Na PaperBox desde julho de 2014, o trabalho do paulistano Marcus Vinicius encontrou-se com a pesquisa de Jorge Feitosa no interesse, de ambos, por figurações antropomórficas, na ancestralidade e no primitivo, na relação entre a natureza e a condição humana, e pelo pensar a sonoridade de imagens plásticas. Em parceria desde setembro, ao ver as imagens pela primeira vez, Vinicius buscou um caminho para a trilha sonora da projeção que unisse camadas que se transfiguram em outros elementos, e sintetizadores com notas espaçadas que criam ecos. A voz da música é o próprio curso da água, seja em sua dimensão “natural” – o rio correndo, gotas de chuva – ou na interferência das mãos do homem em seu processo, como “uma pedra jogada no rio, que faz o som ecoar”.
Convidada por Feitosa, a artista Luciana Araujo integra a mostra com a inédita série “GlimpSea”, com desenhos em técnica mista sobre papel (tinta e lápis de cor), inspirados no universo das sereias e da água como elemento do feminino poético.
Artista especialmente convidada para integrar a mostra, a paulistana Luciana Araujo – que já expôs seus trabalhos na Galeria LOGO e na Galeria Needles and Pens, em São Francisco – apresenta uma série inédita com 05 (cinco) desenhos em técnica mista sobre papel (tinta e lápis de cor), com dimensões de 65cm x 99cm. Intitulada GlimpSea – um trocadilho com a palavra inglesa glimpse, que pode significar relance – a série é uma continuidade de pesquisa da linguagem dos trabalhos anteriores.
A partir do mito da Sereia no imaginário coletivo, Luciana animaliza o corpo feminino, metamorfoseando-o com as cabeças, texturas de pele e caudas destas criaturas aquáticas. Prevalece o universo selvagem da artista, que sugere um abismo negro, mas unidos pela ligação existente entre a vida marítima e o signo da água, que simboliza a fluidez e movimento no universo feminino.
Haverá open-studio dos artistas que ocupam os ateliês do PaperBox Lab.
Visitação: 1º a 13 de dezembro de 2014.
Horário: 11h às 18h
(com agendamento pelo e-mail contato@jorgefeitosa.com )
PaperBox Lab
Endereço: Rua do Carmo, 56 – Sé. São Paulo – SP. (em frente ao Poupa Tempo Sé)
Tel:. (11) 3107-1192/ paperboxlab.marilia@gmail.com
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