Serge Gainsbourg | Confira artigo especial em homenagem ao aniversário do artista francês

Outubro de 2012. Há seis meses postei aqui na Frequência Não Modulada a história da mais famosa canção de Serge Gainsbourg, “Je T’Aime… Moi Non Plus, que serviu como uma espécie de prelúdio à carreira deste grande nome do pop (só pop?) francês: http://recantoadormecido.com.br/2012/10/05/je-taime-moi-non-plus-conheca-a-historia-da-mais-famosa-cancao-de-serge-gainsbourg/

Se vivo, ele completaria 85 anos no dia 2 de abril. Devido o aniversário de nascimento do músico/artista, vamos continuar no assunto Gainsbourg, mas desta vez focando um pouco na infância e na carreira dele de modo geral.

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Nascido em Paris, Lucien Ginsburg – apelidado de Lulu – filho de imigrantes judeus, cresceu na França ocupada por nazistas. Sua mãe, Olia, o tinha como preferido. Por outro lado, seu pai, Joseph, era rígido e bastante disciplinador. Se Lucien fizesse alguma malcriação, ele batia-lhe com o cinto no traseiro nu. Mas como era emotivo e sentimental, sua fibra não durava muito: logo pedia extravagantes desculpas, pois não suportava o fato de parecer cruel com o filho.

Lulu era esperto e um bom aluno. Apesar de tímido, adorava a escola e sua veia artística era visível. Junto com Liliane, sua irmã gêmea, absorvia toda a arte e música da casa onde viviam. O pai era professor de música num conservatório e trabalhava como músico aqu e e ali, logo… Lucien começou a tocar piano por conta própria, antes do pai dele obrigar ele e Liliane a estudar música aos 4 anos de idade, assim como Jacqueline, sua outra filha.

Quando os Ginsburg se estabilizaram financeiramente, Joseph teve a chance de expressar melhor seu amor pela Arte (com A maiúsculo). Ele pintava sempre, até que um dia roubaram a tela que ele pintou de uma moça por quem tivera um amor platônico. Assim, ele prometeu nunca mais tocar num pincel (drama queen mode on). A história se repetiria alguns anos mais tarde com Serge.

Enquanto isso, a habilidade para arte de Lulu orgulhava os pais a cada dia. Aos 13 anos, entrou na Escola de Arte em Montmartre. Ironicamente, era jovem demais pra frequentar as aulas de desenho nu. Um dia, por acidente, ele viu uma modelo se despir atrás da porta. O que nos lembra de outro fator que nos remete a Serge Gainsbourg: mulheres.

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Verão de 1936. Os Ginsburg foram pro litoral. Lucien tinha 8 anos de idade. Na praia, tocava Charles Trenet no alto falante. Lá, ele avistou uma linda menina caminhando na areia. Juntou a beleza da menina a brisa marítima, o sol beijando-lhe a face e Charles Trenet como trilha sonora, pronto. Nascia seu amor pela beleza feminina. Mas para conquistar mulheres, a beleza precisaria ser recíproca. Bem, não pra ele, que era tão lindo quanto um joelho que desconhece o poder de um creme hidratante. Aparentemente, isso não foi um empecilho pro cara que teve em seus braços algumas das mulheres mais bonitas do mundo. Sem exageros.

Em 1945 (nossa, o colunista pulou tudo isso de tempo? sim e daí?), ele anunciou à família que seria um artista. Sua mãe não enxergou bem a troca da arquitetura pela pintura, mas… E perdeu a virgindade. Não foi uma coisa especial, muito pelo contrário. As mulheres que ele abordavam riam dele, dizendo pra ele voltar quando estivesse mais “crescido”. Da hora a vida: 17 anos nas costas e cara de criança. No final das contas, ele acabou escolhendo uma prostituta feia, num quarto repugnante de hotel. Não conseguia atingir o clímax. Por motivos óbvios.

Além das aulas de arte, Lucien se matriculou numa escola de música em 1947 pra aprender composição, notação e teoria musical. Seu pai, também preocupado com o futuro do filho, contratou um violonista cigano para ensiná-lo a tocar violão. Vistas suas habilidades na música, uniria o útil ao agradável, além de ajudá-lo a ganhar uns trocados tocando em eventos e afins. Justamente quando tinha se adaptado à música, em 1948 ele recebe uma carta do governo francês o convocando pro exército. Diferente dos jovens convencionais, ele adorou aquele ano no serviço militar. O motivo: ele aprendeu a beber lá. Entrou lá virgem de álcool e saiu de lá um verdadeiro alcoólatra. Outra característica clássica de Monsieur Gainsbourg.

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Então, Lucien Ginsburg deixara seu nome de “gente fracassada”, e se tornou Serge Gainsbourg (porque ele adorava o pintor britânico Gainsbourough). Apesar da timidez e da tremura da possibilidade de se apresentar em público, ele se apresentou inúmeras vezes no Millord L’Arsouille, um clube importante, que por sinal foi onde Charles Trenet começou sua carreira. Ele queria ser apenas um compositor e produtor musical. Até que em 1958, aos 30 anos de idade, seu primeiro disco foi lançado: Du Chant À La Une!

O álbum, cuja combinação jazz-cocktail e chanson francesa, não fez sucesso. Mas ainda assim é penetrante e suas letras são precisas e fortes. Retratam o cotidiano, como por exemplo, Le Poinçonneur de Lilas fala sobre o perfurador de bilhetes na estação do metrô que se suicida com um tiro por não aguentar sua vida feita apenas de buraquinhos (conflito existencial); Du Jazz Dans Le Ravin é sobre um casal que morre num acidente de carro. As mulheres não seriam deixadas de lado, obviamente. Ce Mortel Ennui fala das mulheres deixadas de lado quando não interessa mais aos homens; Douze Belles Dans La Peau sobre as mulheres ignoradas e quando elas existiam apenas para serem traídas.

Ok, sinto que vão largar o texto por tantos detalhes. Vamos tentar não detalhar tanto cada disco. Vamos citar os highlights da carreira e pronto. Ok?! Por estar em turnê, o segundo disco, intitulado Gainsbourg Nº2, não é tão grandioso quanto o anterior, mas tem momentos especiais. Destaque para Le Claqueur de Doigts e Mambo Miam Miam. O disco seguinte, L’Étonnant Serge Gainsbourg (O Fantástico Serge Gainsbourg) foi lançado em 1961. Diferente dos discos anteriores, informava na capa que era “bom para dançar”. Não era tão impressionante quanto o primeiro disco, mas as letras… ah, as letras roubavam a cena. Eram menos ácidas e mais cínicas. E faziam referência à literatura francesa. Aliás, era tradição misturar o pop com a literatura na França. Destaque para En Relisant La Lettre (Ao Reler sua Carta), que o personagem lê a carta de sua amante suicida e corrige os erros gramaticais dela, e para Le Rock de Nerval e La Chanson de Maglia.

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Serge ficou sem chão quando a França se rendeu ao twist, que era a grande cena pop dos anos 60. A indústria fonográfica francesa ficou com os cabelos em pé com o sucesso do twist e dos yeah yeah yeahs. Ele cogitou voltar pro ramo da pintura, porque se ele já não vendia lá essas coisas com a sonoridade normal dele, imagina com a influência inglesa no som francês. Mas, claro, ele não desistiu. Compôs Requiem Pour un Twister, uma incrível canção tocada em seu órgão Hammond, um dos principais destaques de seu quarto álbum – No. 4 – lançado em 1962. Je Bois, Black Trombone, Les Goemons e Intoxicated Man são alguns destaques do álbum. Assim como as faixas bônus Vilaine Fille, Mauvaise Garçon e L’Appareil À Sous (que fez mais sucesso na voz de Brigitte Bardot do que na dele).

Gainsbourg Confidential, seu disco seguinte lançado 1963, foi gravado em apenas dois dias e mesclava o jazz e o rock. Várias músicas tinham título em inglês, como por exemplo, No, No Thanks No e Negative Blues, além de grandes canções como Chez les Ye-Ye, La Fille au rasoir e Le Walkie-Talkie.  Gainsbourg Percussions, lançado em 1964, tem uma sonoridade bem mais diversificada, já que flerta com a world music e o jazz-rock afro latino. Como o próprio título sugere, o disco conta apenas com instrumentos de percussão, além de Serge ter contratado 12 backing vocals francesas instruídas a cantar como africanas. Foi um álbum a frente do seu tempo, já que Serge tentou dar uma nova cara à música francesa que continuava abusando do yeah yeah yeah.

Agora vamos falar um pouco das musas de Gainsbourg. As principais, pelo menos. Brigitte Bardot e Jane Birkin. Brigitte já tinha gravado dois singles compostos por Gainsbourg: L’Appareil À Sous e Bubble Gum. Ela não era exatamente cantora. Isso era óbvio. Sua beleza e sensualidade natas eram dignas de atenção e sua voz sexy era agradável de se ouvir, então não precisava mais nada. Por serem colegas de gravadora, tudo colaborou, sabe? No ano de 1967, Gainsbourg estava apaixonado por Bardot. Ela o convidou para participar do Le Bardot Show e não demorou muito pra terem um tórrido caso de amor. Sugestão de música: Initials B.B.

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O especial contou com sucessos como a excelente Bonnie & Clyde, com seu arranjo magnânimo e o estilo emanando do casal, e Comic Strip, onde Bardot aparece com uma peruca preta rodeada de balões onde podíamos ler onomatopéias como POW! ZIP! WIZ! fazendo alusão aos quadrinhos. Os jornais, sempre quando viam Serge com uma mulher absurdamente linda, ficavam perplexos e lançavam sempre comentários maldosos. O casal também lançou um disco em 1968 que, além desses sucessos citados acima, contavam com ótimas músicas como La Madrague, Bubble Gum e Pauvre Lola. E claro, eles gravaram a FAMOSÍSSIMA Je T’Aime Moi Non Plus, que tem até um post especial pra ela e não vou me repetir. Ok, eu posso repetir que Brigitte não quis liberar sua versão da canção por pedido do marido, que teria ficado horrorizado com o que ouviu e também pelos representantes dela, que teriam se preocupado com a imagem dela.

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Depois de Bardot, Serge conhece Jane Birkin, atriz inglesa candidata pro papel de atriz no filme Slogan, longa semi-autobiográfico do diretor Pierre Grimblat, que tem Serge como protagonista. Ele interpreta um diretor de comerciais que conhece uma mulher num festival de cinema, se apaixona por ela e abandona a esposa grávida. Pra daí a nova paixão dele encontrar um novo amor e o abandoná-lo também. Ah, os finais felizes… Quando se conheceram, eles nem eram lá tão amigos. Só depois de um tempo que se tornaram inseparáveis. Claro, Serge pediu pra ela gravar Je T’Aime com ela. E a versão com ela superou as expectativas. Com o sucesso do single, um álbum foi gravado cujo título era: “Jane Birkin, Serge Gainsbourg”. Sim, com o nome dela vindo primeiro. Ele queria transformá-la numa estrela. O resto é história.

“Agora que tenho dinheiro”, disse Serge, “vamos partir pra algo sério?” Então foi lançado em 1971 o primeiro disco conceitual de Serge: Histoire de Melody Nelson. Narra o caso de amor entre um homem francês de meia idade e uma garota inglesa menor de idade. A sonoridade sessentista orquestrada mesclando cordas, cellos, guitarras elétricas, pianolas e um rock psicodélico se encaixava como uma luva no conceito do disco. Destaque pro baixo pesado e fúnebre muito presente nos 28 minutos do disco.

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A história Serge conhece Melody (o nome da menina, interpretada por Jane, é também o nome da faixa que abre o disco), que mal chegou aos 15 anos, atropelando-a, que estava de bicicleta. Depois vem Ballade de Melody Nelson, onde o protagonista passa a conhecer melhor a adolescente. O disco segue com o romantismo de Valse de Melody e os trompetes delirantes de Ah! Melody, que nos leva ao “Hotel Particulier”, onde ele desvirgina Melody. A garota sente saudades de casa e então entra no avião, que tem um fim trágico e deixa o velho homem sozinho e desconsolado. A garota tinha mesmo que morrer para manter-se viva na imaginação deste homem. A morte acaba servindo para tornar a imagem intacta, jamais podendo ser corrompida. Fascinante idéia.

L’Homme à Tête de Chou, lançado em 1976, foi outro disco conceitual de Serge, que conta a história de um amor obsessivo, além de violência, sexo e autodestruição. Um jornalista de tablóides se apaixona por Marilou, uma jovem negra, assistente de cabeleireiro. Então, ele flagra a jovem o traindo e decide matá-la. Como ele termina? Numa ala psiquiátrica, convencido de que sua cabeça virou um repolho, devorado aos poucos pelo coelho da Playboy. Um devaneio surreal a la Kafka. Supremo.

Em 1979, lançou o disco Aux Arms Etcaetera: um disco de reggae gravado na Jamaica, que se tornaria um dos seus maiores êxitos. E polemizando novamente, pois a faixa título é uma versão do hino da França, a Marselhesa. Logo, nem preciso dizer a reação dos franceses com a versão. Em 1984 lançou Love on the Beat, um disco onde flertou com a música eletrônica, abusando de sintetizadores, que eram bem populares na década de 80. No álbum, outra polêmica: Lemon Incest, um dueto com sua filha de 13 anos, uma canção de amor baseada numa Étude de Chopin. Não só o público ficou horrorizado, assim como Jane Birkin, mãe da menina e recém separada de Serge: “como puderam pensar que ele abusava dos próprios filhos?”

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São tantos êxitos, tantas polêmicas, tantas referências artísticas que… se fosse falar tudo, não sairia daqui hoje. A maneira que ele reinventava sua música, usando todos os estilos imagináveis, que o torna sua sonoridade tão rica. Não podemos chamá-lo só de músico, cantor e compositor. Além de romancista, fotógrafo e diretor, ele era intelectual, bêbado, fumante, erótico, conquistador, provocador e, acima de tudo, artista. Dono da sua arte e veiculava da maneira que bem entendesse. Nunca teve papas na língua. Isso que fez dele o que ele é. Sim, o que ele é. De acordo com muitos, Serge não morreu em 2 de março de 1991 de um ataque cardiaco: ele está no céu trepando. Vai saber.

 

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