Vou soar rabugento de novo, batendo na mesma tecla de novo, mas e daí? Que alívio ver que no meio de tanta farofa e coisas dignas de serem ignoradas com louvor, ainda tem algo clássico e, ao mesmo tempo, pulsante para nossos olhos e, principalmente, para os ouvidos. E na Frequência Não Modulada de hoje vamos falar de uma banda de pop barroco que eclodiu no cenário fonográfico em 2008: Florence + The Machine.
Mas antes de começar a falar sobre a bela ruiva Florence Welch e sua “máquina”, vamos definir melhor o que é o Pop Barroco. Trata-se de uma vertente que você provavelmente já ouviu, mas nunca se ateve ao nome ou quando apareceu. O estilo, surgido na década de 1960, começou quando produtores e compositores, com o intuito de dar uma nova cara ao rock n’ roll, inseriram elementos orquestrais ao estilo. Instrumentos como cravos, órgãos, violocelos e vibrafones dão um ar mais erudito à canção, além de ampliar a melodia e consolidar ainda mais a música como forma de arte.
É curioso quando algo clássico se mescla com o popular, não é? Como por exemplo, os Beach Boys e seu disco “Pet Sounds” e os Beatles com Eleanor Rigby e seu arranjo de cordas e com Penny Lane e seus trompetes livremente inspirados nos dos Concertos de Branderburg de Bach, sem se esquecer da cítara em Norwegian Wood (instrumento nunca usado numa canção rock até então). Sim, foi comprovado que a música pop podia soar elegante e rica, por que não?
Voltemos a falar de Florence e sua máquina. Na adolescência, Flo vivia cantando na escola. Amante inveterada da arte, vivia cantando e rabiscando poemas em seus cadernos. Gostassem ou não, ela não parava de cantar. Seus amigos até a mandavam calar a boca, mas… quem disse que ela ouvia? Por que “The Machine”? É assim que ela se refere aos músicos que a acompanham. Quer dizer que ela trata os membros da banda como objetos? É isso? Ok, parei. Os ingleses surgiram em 2008 e foram uma das grandes revelações da Inglaterra. Eles ganharam notoriedade quando suas músicas fizeram parte da trilha sonora de “Eclipse”, filme da bem sucedida saga adolescente “Crepúsculo.
Florence + The Machine cumpre exatamente a proposta do Pop Barroco: seu som traz à tona elementos eruditos mesclados a um som moderno e novo. O ecletismo musical da banda, que há muito não se via em outros artistas, reflete em seu som rico, que mescla o rock, soul, folk e o indie. Inevitável não sentir um arrepio na espinha com o voz enigmática e poderosa de Flo, além da mistura curiosa de guitarras, harpas, tambores africanos e etc.
Os discos. Seu primeiro disco, “Lungs” (2009), ganhou um Brit Awards, e exala naturalidade. A começar pela primeira faixa, Dogs Days Are Over, uma música que fala sobre escapar da felicidade, mas que quando ela finalmente chega ao nosso encontro, é impossível evitá-la. É uma canção bem ritmada e otimista com bandolin sincronizado com palmas, que faz alusão à liberdade. Antes de citar os highlights deste disco, só pra contrastar um pouco, vamos falar sobre o segundo disco.
Ao contrário de “Lungs”, “Ceremonials” (2010) tem um clima bem mais tenso. O otimismo de “Lungs” ficou pra trás e, de acordo com a própria Flo, o álbum tem como assuntos centrais “amor, morte, violência e culpa”. Trata-se da confissão de seus pecados, dos demônios particulares, da depressão, da ressaca. As duas primeiras faixas do disco “Only if for a Night” e “Shake It Out” já soam como um prelúdio do que você vai ouvir a seguir. Excelente o fato dela seguir a risca os mesmos elementos do disco anterior, porém mais sóbria e com os pés no chão. Inteligente a antítese proposta.
Voltando pro “Lungs”… Apesar dele ser mais “feliz” que o “Ceremonials”, ele tem algumas canções sobre violência e morte. Kiss with a Fist, por exemplo, fala sobre um relacionamento conturbado. Continuando com os singles. Rabbit Heart (Raise Up) fala sobre o medo, mas de modo positivo, que encoraja você a enfrentar seus medos e diz que quando estamos com medo temos o coração de coelho, que é frágil, mas com coragem, temos o coração de leão. Drumming Song é muito interessante. Fala sobre um barulho de tambor que não sai de sua cabeça. Ela sobe no alto da torre de uma igreja e ouviu os sinos soarem e, ainda assim, o tambor continua ecoando. Cosmic Love fala sobre o quão idiotizadas as pessoas ficam quando estão apaixonadas e como elas perder a noção de espaço e tempo. Ela escreveu a letra completamente bêbada, na noite anterior, em apenas meia hora. You’ve Got The Love, cover que Flo fez do sucesso de The Source com Candi Staton, fecha o álbum com maestria. Aqui, ela declara seu amor de maneira clara e direta. A música tem aquela pegada rock n’ roll com elementos eletrônicos. É uma riqueza de detalhes.
Por falar em detalhes, nada paga a sensação de descobrir uma harmonia e/ou nota diferente quando você ouve muitas vezes uma canção. Tem música que tem tantas camadas, harmonias, nuances subliminares que é praticamente impossível prestar atenção em apenas uma. Não, não tomei nenhum ácido. Mas é como se tivesse tomado. Porque é assim que eu descrevo o penúltimo single do Ceremonials, Spectrum. A música fala de cores, desde a ausência até a explosão com os mais variados tons do espectro de cores. Com vocais poderosos, encoraja as pessoas a se entregarem de corpo e alma a tudo aquilo que ama e, com isso, os medos e as inseguranças se vão. O videoclipe foi dirigido por David LaChapelle e é um orgasmo ocular. Só isso que eu digo. Nem consigo explicar de tão grandioso que é. Só assistindo mesmo.
What the Water Gave Me foi o “primeiro” single. Na verdade foi uma espécie de teaser para o que estava por vir, meio que dizendo que rumo o disco iria tomar. O primeiro single de verdade, o carro chefe, é Shake It Out, que conta com um arranjo medieval, com um órgão divino que parece ecoar por uma igreja vazia: “é difícil dançar com um demônio nas costas, então, liberte-se”, diz a letra. No Light No Light e Never Let Me Go soam nada menos do que épicas. A segunda música, em especial, é sobre aqueles que se entregam e se deixam levar num relacionamento, por exemplo. Lover to Lover tem um q de igreja, devido ao coral poderoso e ao arranjo a la Phil Spector. Breaking Down ecoa divinamente em nossas cabeças sem pedir permissão. O disco continuou bem a jornada de Florence + The Machine rumo ao sucesso estável. Eles também lançaram o Acústico MTV, com grandes sucessos repaginados.
Florence + The Machine não é só um deleite para os ouvidos, mas também para os olhos, pois os clipes são verdadeiros exemplos de obras de arte em movimento. Não é a toa que Flo largou o curso de arte para se dedicar a música. Aquela foi a hora de colocar em prática o conhecimento. Se bem que não pode ser chamado de conhecimento. Letras como aquelas não se aprende num curso. Inspirações assim vêm do coração. De onde mais poderiam vir?
PS.: Vá ao youtube mais próximo de você e se joga no trabalho desta mulher! Só isso que eu vos digo. Abraços.
Adoreiii… é exatamente assim que me sinto e entendo as músicas..
Adoreiii… é exatamente assim que me sinto e entendo as músicas..
Caramba! Como escreves bem. Simplesmente adorei.
Legal, mas ela ganhou notoriedade na Inglaterra quando ela ganho o Critic's Choice Award do BRIT de 2009, e faltou falar que o prêmio que o primeiro disco ganhou em 2010 no BRIT Awards foi o de Album Of The Year, o maior prêmio da noite.
Obrigada, descreveu perfeitamente.