Cantor português António Zambujo lança Rua da Emenda

A MP,B, em parceria com a Som Livre, lança este mês “A Rua da Emenda”, novo álbum de António Zambujo. O produto traz 15 faixas interpretadas pelo cantor português, que exalta o Brasil ao cantar músicas como “Último Desejo”, de Noel Rosa. Ouça as canções no link: http://jukebox.somlivre.com/playlist-361222215.

Sobre António Zambujo (por João Gobern)

António Zambujo não tem emenda – porque dispensa o descanso, ávido de novas aventuras e desejoso de enriquecer o patrimônio que lhe serve de base ao canto que, de forma oficial e em nome próprio, começou a espalhar por toda a parte há uma dúzia de anos.

Depois de dois anos dedicados ao aplaudido “Quinto”, Zambujo faz uma pausa nos concertos, digressões e colaborações para voltar aos discos, alargando as escolhas (as suas e as do público que lhe segue fielmente os passos). Poderia pensar-se que, depois de largamente ultrapassada a fronteira que separa os candidatos dos artistas verdadeiramente populares, António Zambujo se entregaria ao cômodo abraço da insistência, mas o cantor teima em saltar fora da sua zona de conforto, acrescentando e não apenas colecionando, sem redundâncias mas também sem perder o fôlego.

Escolhe, desta vez, uma nova viagem, diferente e aconchegante, aparentemente – e só aparentemente – circunscrita mas capaz de desvendar os segredos e mistérios de um domínio que tantas vezes desconhecemos. Esta é a peregrinação que o conduz, porta a porta, passo a passo, do princípio ao fim da Rua da Emenda (MP,B Discos/Som Livre), ora viela estreita para amores típicos de fadista, ora avenida larga para escalas que trazem todo o mundo (Brasil, França, Uruguai, África) para a dimensão portuguesa. Ora albergue para valsas – e são três – e sambas que, mantendo a dinâmica e a intensidade, fogem a sete pés de todos os purismos, ora refúgio para figuras populares e integrantes do imaginário coletivo (como em “Flinstones”).

O mais curioso é que, aplicando um respeito genuíno mas não necessariamente cerimonioso pela individualidade de cada um dos “vizinhos”, António Zambujo e os músicos que o apoiam conseguem uma harmonia e um entendimento que nos faz pensar nos tempos em que nos conhecíamos uns aos outros na rua e sentíamos mais vontade de ajudar do que necessidade de julgar. As personagens que Zambujo traz (de volta?) às nossas vidas são autônomas e independentes, respiram por si próprias; mas ninguém poderá negar, logo depois da primeira volta à Rua da Emenda, que ficam muitíssimo bem num retrato de grupo.

Rua da Emenda nos é apresentada através de um reencontro entre Zambujo e um dos seus parceiros mais antigos, Miguel Araújo, autor de “O pica do sete”, canção que ganhou vídeo clipe e já é sucesso radiofônico. Colaboradores habituais como João Monge, Maria do Rosário Pedreira, José Eduardo Agualusa e Pedro da Silva Martins, entre outros, juntam-se a novos nomes, como Samuel Úria e José Fialho Gouveia, para citar alguns – como acontece sempre que a voz de António Zambujo é o destino.

De resto, as geografias parecem ajustar-se modelarmente à dimensão desta rua onde, num ápice, cabem os talentos imortais de Noel Rosa (“Último desejo”), confirmando a paixão de António Zambujo pelo Brasil infinito, ou de Serge Gainsbourg, que certamente gostaria de ouvir a sua “Chanson de Prévert” subvertida pelos labirintos gerados pela guitarra portuguesa. Esse “domínio dos deuses” convive lado a lado, sem problemas nem hierarquias impostas, com os nossos contemporâneos Jorge Drexler (uruguaio), Rodrigo Maranhão e Pedro Luís (mais dois brasileiros da linha da frente, autores da “Valsa Lisérgica”).

Daqui destas latitudes de bom gosto, vem o perfume que reforça os temperos fortes que os poetas portugueses deixam nas mãos e na garganta de António Zambujo, reafirmando-se a sua linha de nunca forçar a voz, como se esta tivesse sido inventada para pairar e planar, sempre um palmo acima, sempre no pleno. Além do mais, sem olhar a fronteiras artificiais e inimigas da estética, estamos perante uma proposta profundamente portuguesa, até pela doçura inquieta, pelo embalo saltitante de uma instrumentação ajustada ao timbre sereno e contagiante do cantor (as guitarras sedimentadas, os sopros contrastantes, o acordeão emergente, tudo entregues a músicos excepcionais como Bernardo Couto, Carlos Manuel Proença, João Salcedo, João Moreira, José Miguel Conde, Ricardo Cruz, José Manuel Neto e Pedro Silva Martins, entre outros), esta Rua da Emenda é, afinal, uma rua do mundo.

E voltamos ao princípio: António Zambujo não tem emenda, e só assim se percebe que tenha conseguido reconstruir, com varandas e clarabóias, com calçada portuguesa, com pátios interiores e jardins exteriores, com quintais floridos, com janelas soalheiras e, sobretudo, com portas abertas a todos, a Rua da Emenda.

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